92 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
O corcel de Carioca e Preto pára na frente de uma casa, no subúrbio. Ruídos noturnos característicos.
93 - CORCEL. INTERIOR. NOITE.
Preto cutuca o ombro de Carioca.
PRETO
- Mas que porra...
CHICÃO
- Se eu num for, vai ser pior. Marlene toca pro meu sogro, e já viu.
PRETO
- Tu tá pensando que ainda manda, caralho?!
CARIOCA (A Preto)
- Cala a boca, porra! (A Chicão.) Num arruma, não, caralho! Se arrumar... Lembra do cu da Mary Gold? (A Preto.) Vamo.
94 - CASA COLONIAL. VARANDA. EXTERIOR. NOITE.
Através das portas de vidro vê-se Ulysses caminhar em direção à varanda, continuando a seqüência 91. Ulysses abre as portas, entra na varanda, e fecha-as. Encosta-se no parapeito e olha as estrelas brilhando na escuridão. Uma claridade tênue sobe do jardim. Uma mulher nua passa, correndo, entre os canteiros. Vê Ulysses na varanda e pára.
MULHER NUA (Gritando e acenando)
- Oi! Vem práqui!
Ulysses não responde, nem se mexe, e a mulher corre e some da vista.
95 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
Bosco anda pela rua, devagar.
VOZ DE BOSCO
- Se eu tivesse um filho, eu queria que ele me matasse. Mesmo que ele não quisesse!
Diversas pessoas cruzam com Bosco. Bosco evita olhá-las. Quando as olha, mesmo furtivamente, as pernas começam a distender-se e os passos ficam lentos, e elas parecem flutuar.
96 - BAR DO CAMPO. EXTERIOR. NOITE.
Bosco aproxima-se da porta.
VOZ DE BOSCO
- Não vou pensar. Não tenho mais o que dizer.
Bosco pára na porta, hesita, e continua andando.
97 - IGREJA DE SÃO JOSÉ. EXTERIOR. NOITE.
Bosco vem andando pelo meio da rua.
VOZ DE BOSCO
- Um quarto, um parto, uma dor. É muito melhor não ser sério. Chega de lamber sapatos!
Junto da porta fechada da igreja, caída no chão, uma pedra verde brilha intensamente. Bosco pára, olha a pedra, apanha-a e mete-a no bolso, e sai correndo.
98 - COLONIAL HOTEL. APARTAMENTO DE EDUARDO. INTERIOR. NOITE.
Eduardo e Helena abraçam-se e beijam-se. Depois, Helena afasta Eduardo e começa a despir-se. Devagar, com gestos bem marcados, como se estivesse realizando um ritual de sagração. Reclinado na cama, Eduardo observa Helena, extasiado. A seqüência é muda, apenas marcada pela música.
99 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.
O bar já tem algumas mesas vazias, mas continua mostrando os efeitos do tumulto. Mesas e cadeiras fora do lugar, garrafas e copos caídos pelo chão. Alguns fregueses ainda comentam os tiros.
HOMEM 1
- Viu que trem danado, sô?
HOMEM 2
- Pareceu até obra do capeta.
MULHER 1
- Coitado de Seu Nilo.
MULHER 2
- Vai ver, também tava metido. Conheço ele, ó... Num lembra de Celinha, não?
MULHER 1
- Foi um cu-de-boi!
Bosco entra e senta-se. Jofre aproxima-se.
BOSCO
- Gim.
Jofre olha Bosco e reconhece-o.
JOFRE (Seco)
- Só tem Seagers.
Bosco não responde e Jofre afasta-se.
VOZ DE MARCOS
- Jofre!
VOZ DE BOSCO (Ao mesmo tempo)
- Notícia: garrafa sideral, expandida no infinito, abriga-se da chuva e morre sufocada.
Corta para Marcos, Silviano. Jofre aproxima-se.
JOFRE
- Sim, Dr. Marcos?
MARCOS
- Só me avisaram agora. Cadê o delegado?
JOFRE
- Não sei, não, senhor.
MARCOS (A Silviano)
- Você vê? Que merda de...
JOFRE (Continuando)
- Quando eu fui levar Seu Nilo no hospital, falaram que Dr. Tadeu tava fora.
MARCOS
- Comendo alguma zinha por aí, só pode.
JOFRE
- Diz que tava lá prás bandas da cachoeira.
MARCOS (A Silviano)
- Tá vendo?
JOFRE (Continuando)
- Diz que um vagabundo correu atrás da filha de Seu Antônio, e do namorado dela, aquele da Açominas...
Corta para Bosco, mexendo-se na cadeira, nervoso com o que escuta. Mete e tira a mão do bolso, apalpando a pedra verde. Corta para Marcos, Silviano e Jofre.
MARCOS (A Silviano)
- Vamos? Alguém tem que fazer alguma coisa, puta que pariu!
Marcos e Silviano saem. Corta para Bosco. Bosco tira a pedra verde do bolso. Embora mantenha a mão fechada, nota-se a luz verde brilhar por entre os dedos. Bosco olha, fixamente, a luz verde, saindo por entre os dedos.
VOZ DE BOSCO
- Ninguém pode fazer nada. Os substantivos é que quebram os silêncios.
100 - COLONIAL HOTEL. APARTAMENTO DE EDUARDO. INTERIOR. NOITE.
Eduardo e Helena, nus, iniciam um ato de amor/paixão. Este ato é mudo, apenas marcado pela música e comandado por Helena. E é, também, lenta e graficamente, explorado pela câmera.
101 - CASA DE CHICÃO. SALA. INTERIOR. NOITE.
Móveis típicos de casa de subúrbio. Sentada no sofá, Marlene, vestindo uma camisola de noite, assiste televisão junto com o filho, Dudu. A porta abre, de repente, e entra Preto, seguido de Chicão e Carioca.
DUDU
- Papai...
Marlene olha os três homens e encolhe-se no sofá, assustada. Preto sorri, debochado, ao ver o medo estampado no rosto de Marlene.
PRETO
- Assusta, não.
CHICÃO (Ao mesmo tempo)
- Marlene...
MARLENE
- Francis...
CHICÃO (Ao mesmo tempo)
- Assusta, não. Tá tudo bem.
Chicão olha Carioca e, depois, olha Marlene.
CHICÃO
- São amigos lá do Rio.
Marlene nota o sangue na testa de Chicão.
MARLENE
- Francis...
CHICÃO (Cortando, ao notar o olhar de Marlene)
- Foi nada, não. Coisa à toa. Bati na quina da mesa, lá no bar.
Preto não tira os olhos de Marlene. Chicão nota, mas faz de conta que não vê.
CHICÃO
- Cadê o álcool?
Marlene, surpresa, olha Chicão.
MARLENE
- O ál...
Chicão, num gesto rápido, aponta o ferimento na testa.
CHICÃO
- Pra...
Marilene, sem entender o significado do gesto de Chicão, faz menção de se levantar.
MARLENE
- Tá na...
CHICÃO (Rápido)
- Deixa. Deixa, que eu pego.
Chicão olha Carioca, abre a porta do quarto e entra. Carioca segue-o. Preto não se mexe, os olhos fixos na camisola de Marlene.
PRETO
- Fodão!
Dudu olha Preto e abraça-se na mãe. |