CUNHA DE LEIRADELLA
O CIRCO DAS
QUALIDADES HUMANAS



Longa metragem

INDEX

Nota preliminar
Narrativas
Personagens (ordem alfabética)
Figuração
Perfil dos personagens

ROTEIRO:

01-15
16-18
19-25
26-32
33-34
35-37
38-40

41-43
44-45
46-50
51-58
59-62
63-67
68-70

71-72
73-79
80-83
84-91
92-101
102-110
111-121

 

92 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

O corcel de Carioca e Preto pára na frente de uma casa, no subúrbio. Ruídos noturnos característicos.

 

93 - CORCEL. INTERIOR. NOITE.

 

Preto cutuca o ombro de Carioca.

 

PRETO

- Mas que porra...

CHICÃO

- Se eu num for, vai ser pior. Marlene toca pro meu sogro, e já viu.

PRETO

- Tu tá pensando que ainda manda, caralho?!

CARIOCA (A Preto)

- Cala a boca, porra! (A Chicão.) Num arruma, não, caralho! Se arrumar... Lembra do cu da Mary Gold? (A Preto.) Vamo.

 

94 - CASA COLONIAL. VARANDA. EXTERIOR. NOITE.

 

Através das portas de vidro vê-se Ulysses caminhar em direção à varanda, continuando a seqüência 91. Ulysses abre as portas, entra na varanda, e fecha-as. Encosta-se no parapeito e olha as estrelas brilhando na escuridão. Uma claridade tênue sobe do jardim. Uma mulher nua passa, correndo, entre os canteiros. Vê Ulysses na varanda e pára.

 

MULHER NUA (Gritando e acenando)

- Oi! Vem práqui!

 

Ulysses não responde, nem se mexe, e a mulher corre e some da vista.

 

95 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Bosco anda pela rua, devagar.

 

VOZ DE BOSCO

- Se eu tivesse um filho, eu queria que ele me matasse. Mesmo que ele não quisesse!

 

Diversas pessoas cruzam com Bosco. Bosco evita olhá-las. Quando as olha, mesmo furtivamente, as pernas começam a distender-se e os passos ficam lentos, e elas parecem flutuar.

 

96 - BAR DO CAMPO. EXTERIOR. NOITE.

 

Bosco aproxima-se da porta.

 

VOZ DE BOSCO

- Não vou pensar. Não tenho mais o que dizer.

 

Bosco pára na porta, hesita, e continua andando.

 

97 - IGREJA DE SÃO JOSÉ. EXTERIOR. NOITE.

 

Bosco vem andando pelo meio da rua.

 

VOZ DE BOSCO

- Um quarto, um parto, uma dor. É muito melhor não ser sério. Chega de lamber sapatos!

 

Junto da porta fechada da igreja, caída no chão, uma pedra verde brilha intensamente. Bosco pára, olha a pedra, apanha-a e mete-a no bolso, e sai correndo.

98 - COLONIAL HOTEL. APARTAMENTO DE EDUARDO. INTERIOR. NOITE.

 

Eduardo e Helena abraçam-se e beijam-se. Depois, Helena afasta Eduardo e começa a despir-se. Devagar, com gestos bem marcados, como se estivesse realizando um ritual de sagração. Reclinado na cama, Eduardo observa Helena, extasiado. A seqüência é muda, apenas marcada pela música.

 

99 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.

 

O bar já tem algumas mesas vazias, mas continua mostrando os efeitos do tumulto. Mesas e cadeiras fora do lugar, garrafas e copos caídos pelo chão. Alguns fregueses ainda comentam os tiros.

 

HOMEM 1

- Viu que trem danado, sô?

HOMEM 2

- Pareceu até obra do capeta.

MULHER 1

- Coitado de Seu Nilo.

MULHER 2

- Vai ver, também tava metido. Conheço ele, ó... Num lembra de Celinha, não?

MULHER 1

- Foi um cu-de-boi!

 

Bosco entra e senta-se. Jofre aproxima-se.

 

BOSCO

- Gim.

 

Jofre olha Bosco e reconhece-o.

 

JOFRE (Seco)

- Só tem Seagers.

 

Bosco não responde e Jofre afasta-se.

 

VOZ DE MARCOS

- Jofre!

VOZ DE BOSCO (Ao mesmo tempo)

- Notícia: garrafa sideral, expandida no infinito, abriga-se da chuva e morre sufocada.

 

Corta para Marcos, Silviano. Jofre aproxima-se.

 

JOFRE

- Sim, Dr. Marcos?

MARCOS

- Só me avisaram agora. Cadê o delegado?

JOFRE

- Não sei, não, senhor.

MARCOS (A Silviano)

- Você vê? Que merda de...

JOFRE (Continuando)

- Quando eu fui levar Seu Nilo no hospital, falaram que Dr. Tadeu tava fora.

MARCOS

- Comendo alguma zinha por aí, só pode.

JOFRE

- Diz que tava lá prás bandas da cachoeira.

MARCOS (A Silviano)

- Tá vendo?

JOFRE (Continuando)

- Diz que um vagabundo correu atrás da filha de Seu Antônio, e do namorado dela, aquele da Açominas...

 

Corta para Bosco, mexendo-se na cadeira, nervoso com o que escuta. Mete e tira a mão do bolso, apalpando a pedra verde. Corta para Marcos, Silviano e Jofre.

 

MARCOS (A Silviano)

- Vamos? Alguém tem que fazer alguma coisa, puta que pariu!

 

Marcos e Silviano saem. Corta para Bosco. Bosco tira a pedra verde do bolso. Embora mantenha a mão fechada, nota-se a luz verde brilhar por entre os dedos. Bosco olha, fixamente, a luz verde, saindo por entre os dedos.

 

VOZ DE BOSCO

- Ninguém pode fazer nada. Os substantivos é que quebram os silêncios.

 

100 - COLONIAL HOTEL. APARTAMENTO DE EDUARDO. INTERIOR. NOITE.

 

Eduardo e Helena, nus, iniciam um ato de amor/paixão. Este ato é mudo, apenas marcado pela música e comandado por Helena. E é, também, lenta e graficamente, explorado pela câmera.

 

101 - CASA DE CHICÃO. SALA. INTERIOR. NOITE.

 

Móveis típicos de casa de subúrbio. Sentada no sofá, Marlene, vestindo uma camisola de noite, assiste televisão junto com o filho, Dudu. A porta abre, de repente, e entra Preto, seguido de Chicão e Carioca.

 

DUDU

- Papai...

 

Marlene olha os três homens e encolhe-se no sofá, assustada. Preto sorri, debochado, ao ver o medo estampado no rosto de Marlene.

 

PRETO

- Assusta, não.

CHICÃO (Ao mesmo tempo)

- Marlene...

MARLENE

- Francis...

CHICÃO (Ao mesmo tempo)

- Assusta, não. Tá tudo bem.

 

Chicão olha Carioca e, depois, olha Marlene.

 

CHICÃO

- São amigos lá do Rio.

 

Marlene nota o sangue na testa de Chicão.

 

MARLENE

- Francis...

CHICÃO (Cortando, ao notar o olhar de Marlene)

- Foi nada, não. Coisa à toa. Bati na quina da mesa, lá no bar.

 

Preto não tira os olhos de Marlene. Chicão nota, mas faz de conta que não vê.

 

CHICÃO

- Cadê o álcool?

 

Marlene, surpresa, olha Chicão.

 

MARLENE

- O ál...

 

Chicão, num gesto rápido, aponta o ferimento na testa.

 

CHICÃO

- Pra...

 

Marilene, sem entender o significado do gesto de Chicão, faz menção de se levantar.

 

MARLENE

- Tá na...

CHICÃO (Rápido)

- Deixa. Deixa, que eu pego.

 

Chicão olha Carioca, abre a porta do quarto e entra. Carioca segue-o. Preto não se mexe, os olhos fixos na camisola de Marlene.

 

PRETO

- Fodão!

 

Dudu olha Preto e abraça-se na mãe.