46 - ADRO DOS PROFETAS. EXTERIOR. ENTARDECER.
Eduardo, com a mesma roupa da seqüência 44, entra no adro, vindo do Largo dos Passos da Via-sacra. Ulysses continua debruçado na mureta, junto da estátua do Profeta Habacuc. Eduardo pára e, sem parecer notar Ulysses, olha a estátua do Profeta Abdias. Olha, durante alguns instantes, o dedo do Profeta, apontando para o céu, como se fosse um sinal de advertência e, de repente, ri e desce, devagar, o Largo dos Passos da Via-sacra.
47 - LARGO DOS PASSOS DA VIA-SACRA. EXTERIOR. ENTARDECER.
Eduardo espia o interior de uma das capelas e, sem denotar maior curiosidade ou encanto, acende um cigarro e afasta-se, indiferente.
48 - IGREJA DO BOM JESUS. EXTERIOR. ENTARDECER.
Maria Germana deixa a equipe fotográfica ao lado da igreja e afasta-se, procurando novas locações. Entra no Adro dos Profetas e vê Ulysses, debruçado na mureta, chorando convulsivamente. Espantada e, ao mesmo tempo, curiosa, Maria Germana pára e observa Ulysses. Passa-se algum tempo e Ulysses continua na mesma posição, sempre chorando convulsivamente. Maria Germana aproxima-se. Ulysses percebe e afasta-se com passos rápidos. Maria Germana fica olhando o vulto de Ulysses até ele sumir na distância.
49 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
Eduardo, com a mesma roupa da seqüência 47, anda por uma ruela. Pára e olha à volta, curioso. Acende um cigarro e puxa uma tragada, e continua andando. Um pouco à frente vê-se uma escadaria de pedra, aberta no muro. No topo, está uma mulher jovem e belíssima, vestida de branco, dividida entre a luz e a escuridão. É Helena.
HELENA
- Eduardo.
Eduardo pára e olha para cima, procurando ver de onde vem a voz. Ao ver Helena recua um passo, espantado.
EDUARDO (Aturdido, mas, ao mesmo tempo, curioso)
- Quem... Quem é você?
HELENA
- Eu tava te esperando.
EDUARDO (Já recomposto, rindo)
- Esperando? Por mim?
HELENA
- É. Por você.
EDUARDO
- E você sabe quem eu sou?
HELENA
- Se eu não soubesse, não poderia esperar.
Helena começa descendo a escadaria.
EDUARDO
- Foi Fábio?
HELENA
- Quem é Fábio?
EDUARDO
- Não foi ele que...
HELENA
Não se pode esperar sem conhecer, Eduardo.
EDUARDO
- Como é que você sabe o meu nome?
HELENA
- Eu sei. Eduardo. Eduardo da Cunha Júnior.
EDUARDO (Com espanto)
- Mas como...
HELENA (Suave)
- Só se deve perguntar o que se pode responder.
EDUARDO (Após uma pausa, já recomposto, rindo)
- Você acredita nisso?
HELENA
- Você, não?
EDUARDO (Seguro e incisivo)
- Claro que eu acredito!
HELENA
- Então, eu não preciso responder.
EDUARDO
- Mas você...
HELENA (Continuando)
- Se você só pergunta o que pode responder, você sabe quem eu sou.
Eduardo não responde. Helena desce o último degrau da escadaria e começa andando. Eduardo segue-a, ainda confuso, mas, ao mesmo tempo, fascinado. Passam Laurentina e Jussara, mas, apesar da figura belíssima de Helena, nenhuma delas parece vê-la. Mas reparam no ar aturdido de Eduardo e andam mais depressa. Eduardo aproxima-se de Helena.
EDUARDO
- Afinal, quem é você?
Helena olha Eduardo, fixamente, durante alguns instantes e, depois, sorri.
HELENA (Suave)
- Você sabe o que é felicidade?
EDUARDO
- Felicidade? (Incisivo, quase rude.) Claro que eu sei o que é felicidade.
HELENA (Suave)
- Eu sou feliz. Não tenho dúvidas.
Helena começa andando.Eduardo, após uma pequena hesitação, segue-a.
EDUARDO
- Nem eu!
Helena pára e volta-se.
HELENA
- Então, você devia ser feliz. (Incisiva) E você não é.
Eduardo pára, como que detido pelas palavras de Helena, e olha-a, ainda mais surpreso. Helena ri e começa se afastando, andando para trás, sempre de frente para Eduardo, que fica estático.
HELENA
- Você não perguntou quem eu era?
EDUARDO
- Perguntei. Se não sei quem você é...
HELENA (Sorrindo)
- E não quer me conhecer?
EDUARDO
- Pensando bem...
HELENA (Cortando)
- Não pense.
EDUARDO
- Mas como...
HELENA (Ao mesmo tempo)
- Queira. (Com força.) Queira, Eduardo! (Suave.) Se você me quiser, eu voltarei.
Helena some na escuridão de uma curva e Eduardo continua parado, estático. Após alguns instantes recupera-se e corre atrás dela. Mas, ao ultrapassar a curva, só vê o vazio. A ruela está deserta e Helena desapareceu.
50 - CASA DE BOSCO. SALA. INTERIOR. NOITE.
A família está jantando. Antônio, Geralda, Bosco, Jussara e Fábio. Todos comem em silêncio e o clima é tenso. Bosco olha, disfarçadamente, Antônio, ansioso por chamar a atenção do pai. Na realidade, Bosco sempre quis e tentou agradá-lo. Mas nunca conseguiu. Janaína aparece na porta da cozinha.
JANAÍNA
- Alguém quer mais arroz? Ainda tem, viu?
Ninguém responde e Janaína entra na cozinha. Jussara olha Bosco, fixamente. Geralda percebe o olhar de Jussara, mas baixa a cabeça e não diz nada.
BOSCO
- Pai...
Antônio não dá atenção e Bosco cala-se.
FÁBIO
- Hoje me aconteceu uma. Marilene...
Jussara olha Fábio e ele cala-se. Bosco pára de comer e coloca os talheres no prato.
BOSCO
- Pai...
Antônio não dá atenção e Bosco cala-se. Jussara olha Bosco. Antônio pára de comer e circunvaga o olhar pela mesa, sem fixar ninguém.
ANTÔNIO
- Hoje também foi o meu dia.
BOSCO (Ansioso, tentando agradar)
- Por quê, pai? Quê que...
ANTÔNIO (Continuando, sem olhar Bosco)
- De manhã, aquela barbaridade lá no trevo, e, agora, à tarde...
Bosco abre a boca, mas baixa a cabeça e não diz nada. Jussara continua a olhá-lo, fixamente.
ANTÔNIO (Continuando)
- Ô trem mais esquisito, sô!
FÁBIO
- Algum problema, papai?
ANTÔNIO
- Uma bobagem, filho. Uma bobagem.
FÁBIO
- Mas quê que foi? Algum...
Bosco mexe-se na cadeira, como se procurasse criar coragem.
ANTÔNIO
- Foi lá no adro. Imagina que, um sujeito que eu conheço...
BOSCO (Sem poder controlar-se)
- Quem que foi, pai?
Antônio não responde, nem olha Bosco. Olha Geralda, que continua de cabeça baixa.
ANTÔNIO
- Comadre Emília é que...
Geralda continua de cabeça baixa e não responde.
BOSCO (Nervoso, ao mesmo tempo)
- Pai...
Antônio olha Bosco, o rosto contraído num ricto de furor.
ANTÔNIO
- Quer saber, mesmo? Foi um louco. Um vagabundo que nem você! |