19 - RUA. EXTERIOR. DIA
Ulysses anda pela rua, devagar. Parece não ver nada à sua volta, mas a angústia está patente em todos os seus gestos e expressões, que são total e graficamente explorados pela câmera.
20 - ADRO DOS PROFETAS. EXTERIOR. DIA.
Ulysses entra no adro e pára junto da estátua do Profeta Daniel. Olha para ela, mas é como se não a visse. Fica parado durante algum tempo e, de repente, abana a cabeça com força.
ULYSSES
- Merda!
Ulysses passa as mãos no rosto e, com gestos bruscos, acende um cigarro e afasta-se com passos rápidos. Como se, apesar de tanto ter desejado vir a Congonhas, já se sentisse um estrangeiro.
21 - TREVO DE CONGONHAS. EXTERIOR. DIA.
Um Cavaleiro aproxima-se, o cavalo andando devagar. O corcel de Carioca e Preto aproxima-se também, vindo em sentido contrário, e pára próximo do Cavaleiro. Janaína, com passos rápidos e cantarolando, vem andando pelo acostamento da rodovia.
22 - TREVO DE CONGONHAS. EXTERIOR. DIA.
A câmera enquadra o corcel pelo lado de Preto.
PRETO (Acenando ao Cavaleiro)
- Ei, ô! Por onde é que a gente vai pra Congonhas, hem?
O Cavaleiro pára e aponta a estátua do Profeta Habacuc.
CAVALEIRO
- Ali, no Aleijadinho...
PRETO
- Alei, o quê, porra?
O Cavaleiro esporeia o cavalo e sai a trote.
PRETO (Gritando)
- Quê que há, ô?!
O Cavaleiro esporeia o cavalo e sai a galope.
PRETO (Gritando)
- Filho da puta!
CARIOCA
- Ô...
PRETO
- Fica frio, porra!
Preto sai do corcel e aproxima-se da estátua do Profeta Habacuc, olha-a durante alguns instantes, e, num gesto debochado, abre a braguilha e mija no pedestal. Janaína pára, espantada. As crianças param de brincar e riem. Preto ri também. Corta para Preto e Janaína.
PRETO
- Quê que há, hem, dona? Nunca viu cacete, não?
As crianças aproximam-se, curiosas, e Preto, rindo, aponta o pedestal da estátua, molhado.
PRETO
- Só tô lavando, porra.
Janaína benze-se e as crianças param de rir.
JANAÍNA
- Que sacrilégio, Deus que me perdoe!
Preto abotoa a braguilha.
PRETO
- Sacrilégio? Sacrilégio tu vai ver agora, sua vaca!
Janaína olha Preto, horrorizada. Preto puxa o revólver e atira na estátua. Janaína e as crianças, assustadas, gritam e saem correndo. Preto ri e entra no corcel.
23 - CORCEL. INTERIOR. DIA.
Preto rindo e Carioca furioso.
CARIOCA
- Endoidou, filho da puta?!
PRETO
- Afinei, meu irmão. Agora é que eu tô, ó!
Carioca dá um murro no volante e o corcel arranca, cantando pneu.
24 - CASA DE BOSCO. SALA. INTERIOR. DIA.
Classe média baixa. Móveis típicos de cidade mineira do interior. Jussara, sentada, e Marilene, encostada na mesa, conversam.
MARILENE
- Jussara, você não acha que eles já deviam ter chegado, não? Fábio falou que...
JUSSARA
- Fábio também foi?
MARILENE
- Não. Fábio, agora, tá por conta de um tal de Dr. Eduardo. Diz que é um engenheiro que veio de São Paulo e Fábio...
JUSSARA
- Foi Fábio que mandou você...
MARILENE
- Ele que pediu. Mas eu não queria vir, não.
JUSSARA (Cínica)
- Não? Então por quê que veio?
MARILENE (Ao mesmo tempo)
- Não sei nem como é que Bosco tá.
JUSSARA(Mesmo tom)
- Não sabe, mesmo, ou...
MARILENE
- Ah, Jussara!
JUSSARA (Mesmo tom)
- Eu só perguntei por perguntar. Afinal, você já é da família. Ou ainda não é? Hem?
MARILENE (Tentando apaziguar)
- Bosco, desta vez ficou um ano, não foi, não?
Jussara não responde.
MARILENE (Continuando)
- Diz que não pode voltar mais, é verdade?
JUSSARA (Seca)
- Quem que...
MARILENE
- Fábio que falou. Diz que Bosco, cada dia, tá pior. Jussara, Bosco tá mesmo...
JUSSARA (Levantando-se, agressiva)
- E se tiver?
MARILENE
- Chi, Jussara!
JUSSARA (Intencional)
- Fábio devia cuidar mais da vida dele.
MARILENE
- Mas não foi Fábio, só, não. Seu pai também...
JUSSARA (Com força)
- Não mete meu pai nisso!
MARILENE
- Quê que você tem, hem? Você tem andado dum jeito... Bem que D. Geralda falou.
JUSSARA
- E quê que ela falou?
MARILENE
- Quer saber mesmo? Sua mãe disse que você devia ter era ficado com Joca. Foi o único que...
Jussara olha Marilene tão fixamente, que ela cala-se e afasta-se. A câmera segue-a até à janela, onde Marilene se debruça e olha a rua. Instantes depois volta-se.
MARILENE
- Bosco me dá medo. Antes de ser internado, toda vez que saía com a gente, parecia que só queria me comer. Teve uma vez até que...
JUSSARA (Cínica)
- E você? Nunca quis comer ele, não?
MARILENE (Ofendida)
- Jussara, eu sou noiva de Fábio, do irmão dele!
JUSSARA (Mesmo tom)
- E daí? Eu também sou irmã dele.
25 - RUA. EXTERIOR. DIA.
O corcel de Carioca e Preto entra, devagar, numa rua e pára na frente de uma casa. A Mulher, que está na janela, olha o carro, desconfiada. A câmera enquadra o corcel pelo lado de Carioca.
CARIOCA (Desligando o rádio)
- Bom dia, dona. Podia me dizer por onde eu vou prum tal de Bar do Campo?
A Mulher não responde e faz menção de sair da janela. A porta do carona abre e Preto sai do corcel, correndo. Corta para Preto e a Mulher.
PRETO
- Ô...
A mulher, assustada, fecha a janela.
PRETO
- Sua velha fodida, sem educação, tá pensando o quê, hem?
Carioca sai do corcel, correndo. Corta para Preto. Carioca aproxima-se, correndo, e segura Preto.
CARIOCA
- Ô, Preto, caralho!
PRETO
- Me larga, porra!
CARIOCA
- Tu quer foder tudo, filho da puta?!
PRETO
- Me larga! Me larga, que eu já tô é puto cum essa gente!
CARIOCA (Soltando Preto)
- Tu é burro mesmo, hem, ô?
PRETO
- Burro é a puta que pariu! Ou tu pensa que é pedindo que se arruma o que se quer?
Preto olha Carioca, tenso, e bate com força no revólver, na cintura.
PRETO
- Esses putos só entende é isto aqui, ó!
CARIOCA
- Vambora. Vambora, que ainda temos muito que fazer.
Carioca entra no corcel. Preto resmunga, mas começa andando em direção ao carro. |