51 - COLONIAL HOTEL. APARTAMENTO DE EDUARDO. INTERIOR. NOITE.
Eduardo, com a mesma roupa da seqüência 49, está encostado na janela, fechada, fumando. Toca o telefone na mesa-de-cabeceira. Eduardo joga o cigarro no chão e atende no primeiro toque.
EDUARDO (Ansioso)
- Alô! (Decepcionado) Sim, Fábio. O quê? Não esqueci, não. Não, não. Não foi isso, não. É que eu tive... Não, não. Tá tudo bem. Amanhã, a gente vai. Sem falta. Sim, mesma hora. Certo. Obrigado, Fábio. Pra você também.
52 - COLONIAL HOTEL. RESTAURANTE COVA DO DANIEL. INTERIOR. NOITE.
Ulysses está jantando numa mesa junto da parede. Só. Maria Germana e a equipe fotográfica ocupam uma mesa grande, no centro do salão. Conversas em voz alta, risos. Maria Germana olha Ulysses e os olhares cruzam-se. Maria Germana sorri e escreve algo no guardanapo de papel. Chama um garçom e manda entregar o torpedo a Ulysses. Ulysses lê e, curioso, olha Maria Germana, que continua sorrindo.
53 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.
O bar iniciou a jornada da noite. Mesas lotadas, música, barulho, risos, falas em voz alta, bêbados encostados no balcão, mulheres circulando e uma moça tomando conta da caixa. Carioca e Preto pararam de jogar e, sentados, observam o ambiente e conversam em voz baixa. Entram os membros da equipe fotográfica. Olhares de desejo dos homens e de inveja das mulheres. Jofre corre e afasta mesas e cadeiras, e consegue arrumar lugar para todo mundo sentar. Preto pára de conversar e olha as modelos.
PRETO (Rindo)
- Tá pra nós, meu irmão! Tá pra nós!
Lisa, uma das modelos, olha-o e sorri. Preto ri e esfrega as mãos, e cutuca Carioca.
PRETO
- Ó, só, meu irmão! Ó, só! Ó, só, que pé de boceteiro.
CARIOCA
- Será que num pode ver mulher, não, puta que pariu?!
PRETO
- E tu pode? Xacomigo, meu irmão! Xacomigo! Xacomigo, que, na hora, tu vai ver.
54 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
Eduardo, com uma roupa diferente da seqüência 51, anda, devagar, por uma ruela, fumando, olhando as portas e janelas das casas, como se procurasse alguma coisa. De repente, aparece uma esquina e Eduardo pára. Hesita alguns segundos, mas começa andando e dobra a esquina.
55 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
Eduardo acaba de dobrar a esquina e olha a ruela à sua frente. As casas são todas parecidas. O ambiente tem algo de onírico e Eduardo parece estranhar isso. De repente, Eduardo pára, o olhar fixo numa das portas. Envolto em sombras, percebe-se um vulto de mulher. Ansioso, Eduardo aproxima-se. O vulto sai da sombra. É Helena.
HELENA
- Viu? Você quis e eu voltei.
EDUARDO (Como se falasse consigo mesmo)
- É verdade. Realmente, eu quis.
HELENA (Mesmo tom)
- Eu sei. Por isso, eu tô aqui.
EDUARDO (Mesmo tom)
- Mas eu ainda não...
HELENA (Cortando, mas suave)
- E isso importa, Eduardo? O importante é que você quis e eu voltei.
EDUARDO (Como que irritado consigo mesmo)
- Eu sei que fui eu que quis, mas...
HELENA (Irônica, mas carinhosa)
- Eu vim sem avisar, não foi? Sabe qual é o seu problema, Eduardo? Você diz que sabe o que é felicidade, mas tem medo de ser feliz.
Passam Janaína e Marilene. Ao verem Eduardo parado, olham-no, desconfiadas, e andam mais depressa. E não parecem ver Helena. Eduardo olha Helena, fixamente, durante alguns segundos, como se quisesse apreender o significado mais profundo do que está acontecendo.
EDUARDO (Como se pensasse em voz alta)
- Não é possível. Eu nunca...
HELENA
- Nunca? O que é nunca, Eduardo?
Eduardo não responde.
HELENA
- Você tem medo porque não sabe quem eu sou? É isso?
Eduardo não responde. Helena olha-o, durante algum tempo, e, depois sorri, abanando a cabeça.
HELENA
- Se você não pensasse tanto, Eduardo, você me veria como eu sou.
Helena pega na mão de Eduardo e puxa-o, e os dois começam andando.
56 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
Bosco caminha devagar, as mãos nos bolsos, encolhido, olhando um cão vadio que anda na sua frente, abanando o rabo. Em sentido contrário, vêm Fábio e Marilene, de mãos dadas. Bosco não os vê, os olhos fixos no cão.
VOZ DE BOSCO
- Eu tenho que esquecer. E vou esquecer e não vou ser de mais ninguém. Mas quem vai se interessar pelo que você tem a dizer?
Fábio e Marilene param na frente de Bosco e Marilene tira a mão da mão de Fábio.
FÁBIO
- Pôxa! Quase tromba na gente!
BOSCO (Com espanto, quase medo)
- Hem?!
FÁBIO
- Vai pra onde?
Bosco não responde. Baixa a cabeça e olha o cão, que se afasta.
VOZ DE BOSCO
- Um cão vagando...
FÁBIO
- Bosco...
Bosco olha Marilene, fixamente.
VOZ DE BOSCO (Continuando)
-... em busca de carinho, cão danado...
Fábio, preocupado, segura Bosco por um braço.
FÁBIO
- Bosco, você tá bem? Bosco!
BOSCO (Como se acordasse de repente)
- Tô. Tô.
FÁBIO
- Quer que...
Num gesto brusco, Bosco solta-se e afasta-se de Fábio.
BOSCO
- Não! Precisa, não!
Marilene sorri e olha Bosco, e passa um braço na cintura de Fábio.
FÁBIO
- Quer vir?
BOSCO (Seco)
- Não.
FÁBIO
- Então, tchau. E se cuida, viu?
Bosco não responde e Fábio e Marilene afastam-se. Marilene ainda com o braço na cintura de Fábio, mas rebolando as cadeiras, como se quisesse provocar Bosco.
57 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.
Mesmo ambiente da seqüência 53. Carioca e Preto continuam bebendo.
PRETO
- Será que pintou sujeira?
CARIOCA
- Que sujeira, porra?
PRETO
- Alguém dedurou...
CARIOCA
- E quem, porra?
Carioca olha à volta e aponta Jofre, fora da cena.
CARIOCA
- O viadinho num tá ali?
PRETO
- Sei lá.
CARIOCA
Calma.
PRETO
- Calma, o caralho! Já tô é de saco cheio!
CARIOCA
- E eu num tô, porra?
58 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
Bosco continua caminhando, cabisbaixo.
VOZ DE BOSCO
- Me and a girl, passeando. I don’t remember quem era, but I desire your love pra mim.
Noca está encostado no vão de uma porta e chama Bosco, quando ele passa.
NOCA
- Oi, bicho.
Bosco pára, mas não parece reconhecer Noca.
NOCA
- Ei, ô! Noca, pô!
Bosco continua olhando Noca, ainda parecendo não reconhecê-lo.
VOS DE BOSCO
- I desire...
NOCA
- Ligadão, bicho?
Bosco não responde.
VOZ DE BOSCO
- ... your love...
NOCA
- Tá a fim?
Bosco continua calado.
VOZ DE BOSCO
- ... pra mim.
Noca abre a porta da casa.
NOCA
- Vamo nessa, bicho!
Bosco olha a porta aberta, absorto, como se não a visse, e não responde. Noca pega um braço de Bosco e puxa-o.
NOCA
- Vamo!
Noca empurra Bosco para dentro e fecha a porta. |