68 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.
Parte dos membros da equipe fotográfica levantam-se e começam a dançar. Carioca, Preto e Nilo continuam no mesmo lugar.
PRETO (A Nilo)
- Se tu abrir o bico, portuga...
NILO
- Pelo amor de Deus, Seu Preto, eu não tenho nada com isso, não.
Tremendo, Nilo passa a toalha na cara e no pescoço.
NILO
- Eu juro pelas santas almas...
PRETO
- E tu tem alma, porra?
CARIOCA (A Preto)
- Cala essa boca! (A Nilo.) Se manda.
PRETO
- Mas tu num...
CARIOCA
- Ô, porra! Num tá vendo a merda que vai dar? (A Nilo.) Vai. Vai. (A Preto.) Saca ele. Se piscar, já viu! (A Nilo.) Me traz uma cerveja. Mas tu mesmo!
Corta para Preto e Nilo afastando-se. Nilo pega copos e uma garrafa de cerveja e outra de cachaça. Preto observa-o e, quando o vê dirigir-se para a mesa de Carioca, aproxima-se de Lisa, que dança com um dos membros da equipe fotográfica. Preto, num gesto malandro, bate no ombro do par de Lisa.
PRETO
- Ô.
Lisa olha Preto e sorri, e pára de dançar.
PRETO
- A moça tem compromisso, tá vendo, não?
O homem olha Preto. Preto olha-o, desdenhoso, e ele afasta-se.
PRETO
- Sujeitinho besta.
Preto fica parado na frente de Lisa e olha-a de alto a baixo.
PRETO (Sorrindo, com aprovação)
- Material, ó! Como é seu nome, fulô?
LISA (Rindo)
- Lisa.
PRETO
- Lisa? Liso sou eu, puta que pariu!
Lisa ri e Preto arrasta-a para a dança. Corta para Carioca e Nilo. Nilo serve uma dose de cachaça. Carioca serve o santo e bebe.
CARIOCA (Bonachão)
- Outra, Seu Nilo.
Nilo serve. Carioca serve o santo e bebe. Nilo enche o copo outra vez, sem olhar Carioca. Como se, não olhando para ele, Carioca não percebesse a intenção. Carioca olha o copo cheio de cachaça e olha Nilo.
CARIOCA
- Quê que há, ô? Cerveja, porra!
Carioca olha Nilo de soslaio e aponta a cadeira que está ao lado.
CARIOCA
- Senta aí!
Nilo abre a garrafa e enche o copo. Carioca bebe. Nilo puxa a cadeira que está de frente para a porta. Carioca, com um gesto, mostra a cadeira ao lado dele. Nilo passa a toalha na cara e no pescoço, senta e bebe um gole de cachaça.
CARIOCA (Sorrindo)
- Valeu, Seu Nilo! Home que é home, num caga fino, não!
Carioca bebe o resto da cerveja e Nilo enche o copo.
NILO (Procurando ganhar tempo)
- Mas de que parte os amigos conhecem Seu Chicão?
CARIOCA
- A gente conhece ele lá do Rio. Por quê? Algum...
NILO (Rápido)
- Nada! Nada!
CARIOCA
- A gente só veio pra acertar umas contas.
NILO (Ainda procurando ganhar tempo)
- É. Contas são contas. Coisa sagrada.
Carioca não responde.
NILO (Sempre procurando ganhar tempo)
- Agora, Seu Chicão tá aposentado.
Carioca continua sem responder.
NILO (Mesmo tom)
- Seu Chicão é boa gente.
Carioca continua calado.
NILO (Mesmo tom)
- Veio pra cá, casou aqui... Casou até bem...
Nilo vê que Carioca olha para ele, fixamente, e, tremendo, fala rápido.
NILO
- Bem, quer dizer, moça de família. Tem até filho.
CARIOCA (Seco)
- Que mais que tu sabe dele?
NILO (Mesmo tom)
- O que todo mundo diz. Bom marido, bom pai, bom amigo...
CARIOCA (Cortando, com força)
- Tu num conhece o amigo que tem, não, caralho!
69 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
Eduardo, usando a mesma roupa da seqüência 67, está parado em outra ruela, absorto, o olhar perdido no infinito. De repente, olha o cigarro que tem na mão, como se estranhasse estar fumando, e faz o gesto de o jogar no chão. Mas pára o movimento e, devagar, puxa uma tragada profunda e começa andando.
70 - RUA. EXTERIOR. NOITE.
Eduardo, dobra a esquina e, de repente, vê um vulto parado debaixo da padieira de uma porta. É Helena. Eduardo pára e Helena aproxima-se, saindo da escuridão, e usando um vestido cor de rosa.
HELENA
- Você demorou, Eduardo.
Eduardo olha Helena durante algum tempo.
EDUARDO
- É. Demorei, sim.
HELENA
- Por quê que demorou?
Eduardo não responde. Helena olha-o e sorri.
HELENA
- Medo?
EDUARDO (Desafiador)
- Medo? Medo de quê?
Helena não responde, apenas continua sorrindo. Eduardo olha-a durante alguns instantes e tapa o rosto com as mãos, como se quisesse esconder os pensamentos. Tira as mãos do rosto e olha o chão.
EDUARDO
- Eu ainda não sei quem você é. (Olha Helena.) Mesmo que você fosse...
HELENA (Sorrindo)
- Você sabe quem eu sou, Eduardo. Eu já disse. Eu sou Helena.
EDUARDO (Com desespero)
- Não. Ninguém sabe quem você é.
HELENA
- Você sabe (frisa a palavra sabe), Eduardo.
EDUARDO (Tapando o rosto com as mãos)
- Não. Não sei. Quero saber, quero ter certeza, mas não sei.
Helena olha Eduardo, fixamente, durante algum tempo, e tira-lhe as mãos do rosto. Eduardo está imóvel e olha o chão.
HELENA
- O que importa mais, Eduardo? Ter certeza ou ser feliz?
Eduardo continua olhando o chão, sem responder, e Helena começa andando. Eduardo levanta a cabeça e olha Helena, afastando-se, e, após um segundo de hesitação, segue-a. |