CUNHA DE LEIRADELLA
O CIRCO DAS
QUALIDADES HUMANAS



Longa metragem

INDEX

Nota preliminar
Narrativas
Personagens (ordem alfabética)
Figuração
Perfil dos personagens

ROTEIRO:

01-15
16-18
19-25
26-32
33-34
35-37
38-40

41-43
44-45
46-50
51-58
59-62
63-67
68-70

71-72
73-79
80-83
84-91
92-101
102-110
111-121

 

59 - RUA. EXTERIOR. NOITE.

 

Eduardo e Helena caminham pela ruela de braço dado. Eduardo usa a mesma roupa da seqüência 55. Passam alguns transeuntes, mas, apesar da figura belíssima de Helena, nenhum deles parece vê-la.

 

EDUARDO

- Você ainda não me disse o seu nome.

HELENA

- Eu não tenho.

EDUARDO (Com espanto, mas carinhoso)

- Você não tem nome?

 

Helena pára e tira o braço.

 

EDUARDO

- Claro que tem. Tudo tem nome.

HELENA

- Eu não sou tudo, Eduardo. Sou Helena.

EDUARDO

- Tá vendo como tem nome?

HELENA

- Não. Eu sou (frisa a palavra sou) Helena.

 

Helena faz uma carícia no rosto de Eduardo e beija-o de leve nos lábios. Eduardo, surpreendido, quer beijá-la também, mas Helena solta-se, vira uma esquina e desce umas escadas de pedra, envolta pela penumbra.

 

HELENA (De costas, descendo as escadas)

- Eu sou Helena!

 

Eduardo, após um instante de hesitação, corre atrás de Helena. Começa descendo as escadas, mas elas terminam num portão de ferro, trancado com um cadeado. Eduardo olha o cadeado, pega-o e puxa-o, mas não consegue abrir o portão.

 

EDUARDO (Num misto de espanto e raiva)

- Merda!

 

60 - CASA DE NOCA. QUARTO DELE. INTERIOR. NOITE.

 

Quarto sujo. Um colchão, uma cadeira quebrada e um lavatório de ferro. Várias roupas espalhadas pelo chão. Colado numa das paredes, um poster rasgado de um conjunto metaleiro. Deitada no colchão, em posição fetal, uma mulher dorme. Sentados no chão, encostados na parede, Bosco e Noca fumam um baseado e bebem gim.

 

NOCA

- E, aí, bicho? Cascou fora? Mico Rei falou que seu irmão falou que você vinha de vez. É isso aí?

 

Bosco não responde, ocupado em dar uma lapada no baseado. Noca bebe alguns goles e oferece a garrafa.

 

NOCA

- Vai nessa?

 

Bosco pega a garrafa e dá o baseado a Noca. Enquanto Bosco bebe, Noca puxa.

 

NOCA

- Bicho, descolei um trem do caralho! Pega, ó...

 

Noca arrasta-se até o colchão, levanta uma ponta, pega um frasco, abre-o, e deixa cair alguns comprimidos na palma da mão. Conta quatro, joga os outros no frasco, e esconde-o no mesmo lugar. Volta e dá dois a Bosco.

 

NOCA

- Puta viagem, bicho!

 

Bosco engole os comprimidos com gim e passa a garrafa para Noca, que engole os dele.

 

NOCA

- Viajão, bicho! Viajão, podes crer!

 

61 - COLONIAL HOTEL. CORREDOR. INTERIOR. NOITE.

 

Maria Germana, de baby-doll, abre a porta do apartamento e olha o corredor. Não vendo ninguém, sai, fecha a porta e bate na porta em frente.

 

62 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. NOITE.

 

Dalva, abraçada por um homem de meia idade, seu par daquela noite, bebe junto do balcão. Nilo entra, olha o bar lotado, e conversa com Graça, a moça da caixa.

 

NILO

- Tudo em ordem, Graça?

GRAÇA

- Tudo bem, Seu Nilo. Seu Jofre é que quer falar com o senhor.

 

Nilo aponta alguma coisa atrás do balcão. Graça pega uma toalha e entrega-a a Nilo. Nilo joga a toalha pelos ombros. Corta para Carioca e Preto. Carioca levanta um braço.

 

VOZ DE CARIOCA

- Ô!

 

Corta para Carioca e Preto. Carioca levanta um braço. Jofre aproxima-se, correndo.

 

CARIOCA

- Cadê a porra desse tal de Seu Nilo, hem?!

JOFRE (Gaguejando)

- Ca... ca... cabou...

PRETO

- Gagueja, não, porra!

JOFRE (Gritando)

- Seu Nilo! Ô, Seu Nilo!

 

Corta para Nilo. Nilo está limpando a cara e o pescoço com a toalha. Corta para Carioca, Preto e Jofre. Nilo aproxima-se e, quando chega junto da mesa, Jofre afasta-se, sem olhar para trás.

 

NILO

- Ora, muito boa noite.

PRETO

- Ô, portuga, cadê...

NILO

- Eu não sou...

 

Carioca, rápido, cutuca Preto, e ele cala-se. Nilo olha os dois, desconfiado, e faz menção de se afastar. Carioca faz um gesto de contemporização.

 

CARIOCA

- Favor, Seu Nilo. Senta.

 

Nilo olha a cadeira, indeciso.

 

CARIOCA

- Favor, senta. A gente veio de muito longe e tamos querendo levar um papo, numa boa. Com o senhor e um amigo.

NILO

- E que amigo?

PRETO (Brusco)

- Chicão.

CARIOCA (Rápido)

- Temos um recado. De uma grande amiga de Seu Chicão.

PRETO

- A gente...

 

Carioca cutuca Preto e ele cala-se.

 

CARIOCA

- Diz que o senhor conhece muito Seu Chicão...

NILO

- E quem que diz que...

PRETO (Enfático)

- Eu que digo!

CARIOCA (Rápido)

- Quem diz, é Dr. Floriano, antigo chefe dele, o senhor já deve ter escutado...

 

Nilo fica mais tranqüilo. Conhece o Delegado Floriano de nome. Chicão já falou nele diversas vezes.

 

NILO

- Bom. Conhecer Seu Chicão, até é verdade que eu conheço, e ele já me falou do Dr. Floriano. Agora...

 

Preto quer interromper, mas Carioca faz um gesto rápido e ele cala-se.

 

NILO (Continuando)

- ... falar dele pra qualquer um...

PRETO (Furioso)

- Num é qualquer um, não, caralho!

 

Carioca cutuca Preto, mas ele não se cala.

 

PRETO

- Num é qualquer um, não! Nós somo Preto e Carioca, lá do Rio, tá sabendo?!

 

Nilo faz menção de se afastar, mas Carioca segura-o por um braço.

 

CARIOCA

- Num liga, não, Seu Nilo. Esse crioulo já tá meio chumbado, e já viu. É que a gente tem um recado da Mary Gold.

NILO

- Os senhores vão me desculpar, mas eu não conheço nenhuma Mary Go...

PRETO (Cortando)

- E num conhece mesmo, não! Mas a gente conhece e Chicão também conhece!

CARIOCA (Bonachão)

- Senta aí, Seu Nilo. A gente ainda num acabou de conversar, não.

 

Nilo tenta afastar-se, mas Preto, rápido, puxa o revólver.

 

PRETO

- Ô, portuga, tá cum pressa de quê? Senta, caralho!

CARIOCA (A Preto)

- Guarda essa porra.

PRETO

- Num tá vendo, não? Ele tava...

CARIOCA

- Guarda essa porra, caralho!

 

Preto esconde o revólver debaixo da mesa. Jofre passa, olhando de soslaio, servindo uma mesa próxima.

 

NILO (Enfático)

- Acho bom os senhores irem saindo.

PRETO (A Carioca)

- Tu tá vendo?! Tá vendo só o filho da puta?!

Carioca puxa o revólver e aponta-o para a barriga de Nilo.

CARIOCA

- Portuga da merda! Ou tu dá o serviço agora, ou tu apaga aqui mesmo, caralho! Onde que mora o Chicão?

PRETO

- Apaga ele!

NILO

- Mas eu não sei...

PRETO (A Carioca)

- Apaga ele, porra!

CARIOCA

- Cala a boca! (A Nilo.) Vai falar ou...

NILO (Com medo)

- Eu juro que não sei onde ele mora!

 

Carioca engatilha o revólver.

 

NILO (Tremendo)

- Eu só sei que ele vem aqui todas as noites.

 

Carioca sorri e desengatilha o revólver.

 

CARIOCA

- Assim que se fala, amigão!