01 - CIDADE DE CONGONHAS. EXTERIOR. AMANHECER.
Vista panorâmica. Aérea. A cidade é focada a uma altura em que apareça não só todo o perímetro urbano como, também, a cercadura das montanhas que a rodeiam. Lentamente, a câmera começa se aproximando até focar, apenas, as casas e as ruas do centro histórico, com a luz das lâmpadas ainda tremeluzindo, embora já um pouco esmaecida pela primeira claridade do amanhecer.
COMEÇAM OS CRÉDITOS E OS LETREIROS DA FICHA TÉCNICA.
Sempre lentamente, a câmera aproxima-se do Largo dos Passos da Via-Sacra e fixa-se no Adro dos Profetas. Close da estátua do Profeta Abdias, iluminado em contraluz.
02 - RODOVIA 040. EXTERIOR. AMANHECER.
Ônibus vindo do Rio de Janeiro para Belo Horizonte. Ao passar, vêem-se os rostos de alguns passageiros. Uns dormindo, outros olhando pelas janelas. Vê-se também o nome da empresa: COMETA.
03 - ÔNIBUS. INTERIOR. AMANHECER.
Ônibus lotado. Alguns passageiros dormem. Outros, olham pelas janelas ou conversam. Ulysses, sentado no banco da frente, com uma mala de mão em cima dos joelhos, olha, absorto, através do pára-brisas. Sentadas atrás dele, Jaqueline e Marjô conversam.
JAQUELINE
- Se não fosse por causa da mamãe, eu não vinha. (Com ênfase.) De jeito nenhum!
MARJÔ
- Mas você tinha que vir, Jaqueline. Afinal, ele é seu pai.
JAQUELINE
- Ah, Marjô, você diz isso, porque seu pai nunca foi igual a ele. Se fosse...
Ulysses ajeita-se no assento. Marjô cutuca Jaqueline, pensando que Ulysses quer escutar a conversa. Jaqueline olha Ulysses e faz um gesto brusco com a cabeça.
JAQUELINE
- Odeio gente...
MARJÔ (Cortando, rápida)
- Deixa. Depois, a gente fala.
04 - HOSPITAL. SALA DE ATENDIMENTO. INTERIOR. DIA.
Psiquiatra explica a Geralda o estado e a situação de Bosco. Sentada na frente da secretária, Geralda escuta ansiosa e atentamente. Indiferente, Bosco, com a cara colada no vidro, olha pela janela.
PSIQUIATRA
- Como eu já falei com a senhora, D. Geralda, o que Bosco precisa, agora, é da senhora. Da senhora, do pai, dos irmãos, enfim, da compreensão e do carinho de todos. E, quando eu digo de todos, é de todos mesmo. Família, amigos, tudo, a senhora entende?
O Psiquiatra cala-se e olha Geralda durante alguns instantes, como esperando que ela diga alguma coisa. Geralda não diz nada.
PSIQUIATRA
- A senhora entendeu bem o que eu falei, D. Geralda?
Geralda continua olhando o Psiquiatra e acena com a cabeça, lentamente.
PSIQUIATRA
- Então é isso.
05 - AEROPORTO DA PAMPULHA. EXTERIOR. DIA.
Eduardo aproxima-se do ponto de táxi, empurrando um carrinho com a bagagem. Uma mala e uma pasta tipo 007. O Motorista do primeiro táxi da fila conversa com o Guarda de trânsito. Eduardo pára e pega a pasta. O Motorista olha Eduardo, pega
a mala, mas continua falando com o Guarda.
GUARDA
- É. Eu acho que você tem razão, sim. Do jeito que tão as coisas...
MOTORISTA
- Se nego tivesse vergonha, não votava mais nesses ladrões, não.
GUARDA
- Isso eu também acho. Mas quê que vai se fazer?
MOTORISTA
- Quê que vai se fazer?
Eduardo abre a porta do táxi e senta-se. O Motorista guarda a mala no porta-malas.
MOTORISTA
- Se político é safado, nego ainda é mais safado, entendeu? (Fecha o porta-malas) Se não fosse safado, sabe o quê que fazia? Fazia como eu. Votava era na vovozinha!
GUARDA (Rindo)
- Falou, compadre!
O Motorista entra no táxi, acena ao Guarda, que retribui, e dá a partida.
TERMINAM OS CRÉDITOS E OS LETREIROS DA FICHA TÉCNICA.
06 - RODOVIA 040. EXTERIOR. DIA.
Ulysses salta do ônibus no Trevo de Congonhas. Algumas crianças jogam pelada, com uma bola de plástico. O ônibus segue. Risos e gritos das crianças, tipo: Passa, Cascudo! Olha eu! Vai! Assim não vale! Chuta, merda! Ulysses, parado, indiferente à brincadeira e aos gritos das crianças, olha a estátua do Profeta Habacuc, como se ali já se iniciasse o seu retorno. Após algum tempo, começa andando e segue em direção ao centro de Congonhas.
07 - RODOVIA 040. EXTERIOR. DIA.
Carro, modelo corcel, já fora de linha e todo rebentado, vindo do Rio de Janeiro para Congonhas.
08 - CORCEL. INTERIOR. DIA.
Carioca dirigindo e Preto bebendo pelo gargalo de uma garrafa. Escutam-se notícias, transmitidas pelo rádio.
VOZ DO LOCUTOR
- Fugiu esta madrugada da cadeia de Conselheiro Lafaiete o fazendeiro Josias Alvarenga, natural de Congonhas. Acusado da morte do ex-prefeito José Caldas, jurou de morte os policiais que o prenderam.
PRETO (Rindo)
- Tá vendo? Gente fina!
09 - RODOVIA 040. EXTERIOR. DIA.
Ônibus vindo de Belo Horizonte para Congonhas.
10 - ÔNIBUS. INTERIOR. DIA
Geralda e Bosco, sentados no mesmo banco. Close dos rostos. Bosco, olhar parado, fixo num ponto qualquer do interior do ônibus. Geralda, olhando as mãos cruzadas no colo, parece rezar em silêncio. Próximas, escutam-se as vozes de dois passageiros.
VOZ DO PASSAGEIRO 1
- Sabe por quê que eu gosto de Congonhas?
VOZ DO PASSAGEIRO 2
- Eu ainda não conheço.
VOZ DO PASSAGEIRO 1 (Ao mesmo tempo)
- Porque tem mulher em tudo quanto é canto. Diz que tem mulher até que nem existe, já pensou!
11 - RODOVIA 040. EXTERIOR. DIA.
Táxi vindo de Belo Horizonte para Congonhas.
12 - TÁXI. INTERIOR. DIA.
Eduardo, sentado no banco traseiro, com a pasta nos joelhos, lê, atentamente, um relatório. O Motorista fala, sem se importar com o silêncio de Eduardo.
MOTORISTA
- É como eu digo pro senhor. Este país não tem mais jeito, não. Todo mundo rouba e fica por isso mesmo. E eu vou ser franco. Eu só não roubo porque não posso. Se eu fosse um desses políticos que tem por aí, o senhor pensa que eu tava aqui, dirigindo este táxi? Tava nada. Tava era lá fora, no bem bom, ou o senhor pensa que isto aqui ainda tem jeito? Tem nada!
13 - RODOVIA 040. EXTERIOR. DIA.
O corcel de Carioca e Preto aproxima-se de uma tabuleta onde se lê: CONGONHAS 5 KM.
14 - RODOVIA 040. EXTERIOR. DIA.
Escutam-se estampidos de dois tiros e vê-se um furo na tabuleta.
15 - CORCEL. INTERIOR. DIA.
Escuta-se música sertaneja, transmitida pelo rádio. Preto ri.
PRETO
- Tu viu? Num sou mais eu.
CARIOCA (Dando um murro no volante)
- Preto, porra!
PRETO
- Ô, Carioca, quê que há, meu irmãozinho?
CARIOCA (Ao mesmo tempo)
- Tá querendo que todo mundo...
PRETO
- E não vão saber, não, porra? |