44 - BAR DO CAMPO. INTERIOR. DIA.
O bar já está mais cheio. Eduardo, Fábio e Marilene bebem cerveja. Numa mesa próxima também estão Marcos e Silviano. Carioca e Preto continuam jogando sinuca. Uma mulher jovem, bonita, sai do banheiro e passa junto da mesa. É Dalva, moça de programa, que faz ponto no Bar do Campo. Preto olha-a e assobia. Ela olha Preto com desdém e senta-se numa mesa junto da porta. Chama Jofre. Jofre aproxima-se.
DALVA
- Seu Jofre, o Quim...
JOFRE
- Ele disse que não vem hoje, não, Dalva.
DALVA (Sorrindo, como que aliviada)
- Então me traz um guaraná, Seu Jofre. Mas diet, viu?
Corta para Eduardo, Fábio e Marilene. Percebe-se que Marilene se vestiu e maquiou para o encontro. Eduardo e Fábio usam roupa esporte. Eduardo acaba de beber e ainda tem o copo na mão.
EDUARDO
- Como eu tava dizendo, um bom profissional...
MARILENE (Cortando)
- Mas, aqui, pra Fábio, não tem mais nada. Aqui...
Eduardo olha Marilene e coloca o copo em cima da mesa.
EDUARDO
- O que eu queria dizer, é que, se Fábio acha melhor ficar aqui, a opção deve ser dele. Cada um deve fazer sempre aquilo que acha que é certo.
MARILENE
- Mas, ficar aqui, pra quê? Pra morrer pastando?
FÁBIO
- Marilene...
MARILENE (Enfática)
- É isso mesmo, Fábio! Aqui você nunca vai ser nada! (A Eduardo.) Por isso, é que eu disse a ele, Fábio, já que esse senhor é teu amigo, quem sabe ele pode...
FÁBIO (Cortando)
- Marilene, o Dr. Eduardo não veio a Congonhas pra isso. Por favor!
Marilene cala-se. Fábio, ainda constrangido, bebe um gole e coloca o copo em cima da mesa.
FÁBIO
- E o nosso passeio de logo mais, Dr. Eduardo? O senhor ainda...
EDUARDO
- Mas é claro! A menos que...
FÁBIO (Enfático)
- Mas de jeito nenhum, Dr. Eduardo! De jeito nenhum! (A Marilene.) Logo mais eu vou mostrar Congonhas pro Dr. Eduardo. É a primeira vez que ele vem aqui e...
Marilene, amuada, pega o copo e bebe, e Fábio cala-se. Percebe-se um certo constrangimento no ambiente.
EDUARDO
- Fábio, se você não puder...
FÁBIO (Cortando, enfático)
- Mas é claro que eu posso, Dr. Eduardo! É claro que eu posso!
Marilene olha Fábio, ressentida. Fábio desvia o olhar.
VOZ DE PRETO
- Ô!
Corta para Carioca e Preto. Preto aponta a garrafa de cerveja , na mesa ao lado do bilhar.
PRETO
- Ó.
Corta para Jofre, correndo para pegar uma garrafa de cerveja.
VOZ DE CARIOCA
- Tô pensando.
Corta para Carioca e Preto. Preto deitado sobre a mesa, avalia a dificuldade da jogada. Carioca, aprumado no taco, olha Preto.
CARIOCA
- Sabe o quê que a gente vai fazer, quando esta porra acabar?
Preto olha Carioca, sem sair da posição.
CARIOCA
- Já bolei tudo. Numa boa!
Preto continua olhando Carioca.
CARIOCA
- Seqüestro.
Preto pula da mesa.
PRETO
- Porra, meu irmão! Que piração...
CARIOCA (Cortando)
- Piração porra nenhuma. Seqüestro é que dá grana. Tá vendo aquela zinha lá?
Corta para Marilene, ainda amuada.
VOZ DE CARIOCA
- Quanto acha que ela vale?
Corta para Carioca e Preto.
PRETO (Rindo)
- Aquilo? Se valer, vale uma foda. E olhe lá!
CARIOCA
- Tu só pensa nisso.
PRETO
- E tu só diz besteira. Seqüestro é pra quem pode. Pra quem tem amigo na polícia, ou tu pensa que...
CARIOCA (Cortando)
- Quando a gente acabar, tu vai ver.
PRETO
- Quando esta merda acabar, eu quero é sombra e água fresca, meu irmão!
CARIOCA
- Eu quero é grana. Tirar o pé da lama e viver que nem bacana. Fodendo todo mundo e cagando na polícia, entendeu?
Preto olha as bolas, preparando-se para fazer a jogada.
PRETO
- E eu não?
CARIOCA
- Então, fica frio. Fica frio, que o que mais tem por aí é babaca dando sopa.
Preto olha Carioca, durante alguns instantes, e abana a cabeça, num gesto de incredulidade.
45 - CASA DE BOSCO. QUARTO DELE. INTERIOR. DIA.
Bosco está sentado na cama, olhando a parede, onde ainda parece mexer-se a figura da seqüência 40.
VOZ DE BOSCO
- O universo não cresce. As estrelas é que brilham.
A porta abre e entra Fábio.
FÁBIO
- Mamãe disse que você tava aqui, e eu... E aí? Como é que você tá, hem? Tudo em cima?
Bosco não responde.
VOZ DE BOSCO
- A imagem é vida, o movimento é suicídio.
FÁBIO
- Desculpa não ter ido te apanhar, mas é que eu fiquei por conta de um cara, um engenheiro que veio de São Paulo, e ele me alugou o dia todo.
Fábio cala-se. Bosco continua calado, imóvel, olhando a parede.
VOZ DE BOSCO
- O prazer...
FÁBIO
- Mas, me conta, sô!
VOZ DE BOSCO (Ao mesmo tempo)
- ... não está no movimento.
FÁBIO (Continuando)
- Mamãe disse que você veio de vez. É verdade? Mas você não vai estranhar nada, não. A não ser alguns porras-loucas que se mandaram, o resto tá todo mundo por aí. Noca, que estudou com você em Belo Horizonte, Serjão, Mico Rei, Tatu... Lembra de Tatu?
VOZ DE BOSCO (Ao mesmo tempo)
- As palavras...
FÁBIO (Continuando)
- Tatu casou.
VOZ DE BOSCO (Continuando, ao mesmo tempo)
-... são apenas movimentos.
FÁBIO (Continuando)
- Se amarrou na filha de Seu Tonho, Nisinha, aquela baixinha, dentucinha, lembra dela? Dava pra todo mundo, lembra, não? Pois Tatu se amarrou nela, veja só!
Bosco continua olhando a parede e Fábio cala-se.
VOZ DE BOSCO
- A viagem do verbo pára na gramática.
FÁBIO
- Hoje, eu tive um dia do cacete. Marilene me aprontou uma, que eu vou te contar! Você sabe que Marilene sempre quis sair daqui e sempre me aporrinhou por causa disso. Mas, hoje, ela passou das marcas, puta que pariu! Imagina que távamos lá no Bar do Campo e ela queria, porque queria, que o tal cara me arrumasse um emprego lá em São Paulo. E eu puto, e ela nada. Mas, aí, eu dei um chega pra lá e pronto. Ficou puta, mas valeu. Pô, ainda nem casou e já quer montar na gente!
Bosco fecha os olhos e Fábio cala-se, como se não soubesse mais o que dizer, e olha a porta.
FÁBIO
- Bem. Deixa eu...
Fábio dá um passo na direção da porta, e ela abre e entra Jussara. Jussara, ao ver Fábio, pára, espantada e, ao mesmo tempo, contrariada. Como se não imaginasse poder encontrar Fábio no quarto de Bosco.
JUSSARA (A Fábio)
- O jantar já tá pronto.
FÁBIO
- Já?
JUSSARA (Seca)
- Já.
FÁBIO
- Então, deixa eu ir, que...
Fábio sai, quase correndo. Jussara olha Bosco e olha a porta. Fecha-a e encosta-se nela. Bosco abre os olhos e fixa-os na parede.
JUSSARA
- Bosco.
Bosco não responde e Jussara aproxima-se.
VOZ DE BOSCO
- Eu não quero...
JUSSARA
- Bosco.
Bosco continua sem responder e Jussara toca-lhe o rosto com a ponta dos dedos.
VOZ DE BOSCO (Continuando)
- ...que me...
JUSSARA
- Bosco.
Bosco não se mexe e Jussara encosta-se nele, tapando a visão da parede.
VOZ DE BOSCO (Continuando)
... castrem..
JUSSARA
- Bosco.
Bosco continua na mesma posição e Jussara puxa a cabeça dele contra o regaço.
VOZ DE BOSCO (Continuando)
- ... com bocetas que eu não fodo.
JUSSARA (Gritando)
- Bosco!
Jussara aperta a cabeça de Bosco, com força, contra o corpo. Bosco não corresponde e Jussara, descontrolada, bate nele. Mas não é uma agressão. Na verdade, Jussara agarra-se a Bosco, com desespero. Como se estivesse purgando, com aquela violência, o sentimento da culpa que sente por desejar o irmão.
VOZ DE BOSCO (Gritando, a cada batida de Jussara)
- Mas que eu quero! Que eu desejo! |