A procura de uma certa purificação para percorrer este novo caminho apresenta um vasto leque de símbolos dos quais sobressaem a madrugada, a água, a brisa, o vento e o fogo.
A madrugada, tão celebrada por poetas como Camões, é um símbolo englobante, na poesia de José Afonso, da permanente procura de vida, de luz, de realização humana pessoal e colectiva , para a qual os jovens são convidados, no poema cantado “Canto Moço” (Traz outro amigo também), um dos poemas - chave de esperança, de combate não-violento, de procura de luz, de paz, de mudança de rumo para uma nova era:
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flor no ramo
Esse caminho para a paz – simbolizada na “verde oliva de flor no ramo” exige autodomínio e intrepidez que permite não sentir “dor” nem “mágoa” e avançar na procura da luz de um novo dia – “manhã clara”:
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara
Os que procuram a paz e a luz, acendem uma fogueira “ “Lá do cimo duma montanha”, a chama da vida que ilumina as trevas da noite, o fogo que é móvel e ascendente, no ponto de união entre a terra e o céu, com a presença da pomba que assegura a paz, é mensageira e “companheira da madrugada”
Lá do cimo duma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
…..
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Neste poema escrito em oitavas, como na epopeia – com versos de oito sílabas e não de dez sílabas – o vento assume o símbolo do sopro do espírito, da purificação do espírito que “sopra onde quer”. É o vento que corta as amarras do barco onde “os filhos da madrugada” partem e irão procurar a luz e a paz. É o espírito que os guia, seguido e acompanhado pela procura de boa sorte- “ a boa estrela” - e a certeza da boa sorte que há vir. É à brisa suave que em grego se diz “aura”, metaforizada e quase metamorfoseada em “moira encantada” que é pedido que ajude a barca dos “filhos da madrugada” a mudarem de direcção – “vira a proa da minha barca”- para o caminho da vitória da luz sobre as trevas:
Onde o vento cortou amarras
Largaremos pela noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa moira encantada
Vira a proa da minha barca
Diremos que “Canto Moço” constitui uma chave e uma breve síntese de vários fulcros da poesia cantada de José Afonso, pois nele se encontra uma união perfeita de várias tradições, palavras, com a melodia, caminhando para a abertura e a universalidade:
. o sentido da verdadeira aventura que, guiada pelo espírito, dirige o olhar para um futuro de paz, quase oposto à aventura da emigração que vimos na “Canção do Desterro”
. síntese de tradições portuguesas relativas ao mar
. exemplo da linguagem poética de José Afonso que vivifica palavras de várias épocas, medievais e clássicas: galera, barca, oliva, mágoa, madrugada
. união das tradições judaica – “a boa estrela”, árabe – “moira encantada” na cultura portuguesa, assumidas com simplicidade, beleza e profundidade
. relação dos “filhos da madrugada” com o “menino de oiro”, duas maneiras de exprimir a esperança e a procura de luz, filtradas por elos e procuras do espírito
. síntese de principais símbolos universais assumidos com a maior beleza, na poesia cantada de José Afonso: o mar (como espaço, aventura, integração no ritmo do universo); a barca (aventura); a oliva e a pomba (paz, harmonia); a noite ( trevas, ausência de luz); fogueira, chama (vida, elevação do espírito, luz no meio das trevas); o vento e a brisa (sopro e leveza do espírito, força para mudar de rumo); a madrugada (luz, vida nova, renovação).
Este poema, na belíssima harmonia de poesia e melodia, é acompanhado por uma guitarra e um tambor, como expressão de incitamento também para a juventude de espírito, para os jovens de todas as idades e de tosas as gerações universais que procurem a luz e a paz. Que os jovens portugueses de todas as idades saibam neste “Canto Moço” sempre reconhecer toda esta síntese de recursos, sentidos e convites, em particular a procura de paz com meios de paz e de beleza que a todos poderá redimir e salvar. Que jovens de todas as idades e gerações procurem aprofundar o valor da poesia cantada de José Afonso, para o encorajamento dos portugueses e de todos os homens.
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