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Helena Langrouva
JOSÉ AFONSO
JOSÉ AFONSO E A POESIA POPULAR PORTUGUESA CANTADA BREVE SÍNTESE TEMÁTICA
De 1964 a 1977
Introdução
O canto popular aprendido com o povo
Cantos de trabalho
Os cantos de festa
A poesia cantada de José Afonso
A mulher do povo
As heroínas populares
A VIDA QUOTIDIANA
A emigração
As conversas no campo
A vida quotidiana na cidade
Elegia e tomada de consciência de Portugal nos anos 60
A morte, a violência e a injustiça
A agonia, as trevas, a indiferença
A nostalgia, a ignorância de si próprio e a anquilose
A procura de libertação
A procura de intrepidez, de verdade, de não-violência
Os símbolos de purificação: a madrugada, a água, a brisa, o vento e o fogo: “Canto Moço”
O lugar santo (“locus sanctus”) da luz e da paz: “Tecto do mendigo”
E todo o resto que é imenso
BIBLIOGRAFIA - DISCOGRAFIA

A procura de intrepidez, de verdade, de não-violência

Nesse combate para ser, viver em paz, a procura de raízes vitais da cultura popular e da alma profunda e viva do povo português, esquecida, oprimida, silenciada, tem grande importância no que devemos a José Afonso. É a experiência viva de uma verdade profunda e vasta. Gandhi chamou à não-violência a força ou adesão à verdade, a procura de verdade, experimentada no combate diário de libertação de tudo o que dela nos afasta. José Afonso procura, na sua poesia cantada, averdade e a justiça com meios não -violentos, uma nova dimensão que pode neutralizar a violência, a injustiça, o abuso.

Para esse novo caminho, é preciso mudar de direcção e saber como dirigir energias e esforços. Em “A Formiga no carreiro” (Venham mais cinco), impregnada da linguagem e de humor popular, a “formiga”, que desenvolve trabalho com muito esforço, convida todo o formigueiro a mudar de rumo. “mudem de rumo, mudem de rumo”.., pois “já lá vem outro carreiro” , a esperança de mudar de rumo.

Na belíssima canção “Coro da Primavera” (Cantigas do Maio), é o amor a nova semente que acompanhará a intrepidez na luta. A imagem da semente e do acto de “semear” tem implícita a ideia de profunda riqueza simbólica, humana e espiritual.:

Venham lavradeiras

Mondadeiras

Deste campo em flor

 

Venham enlaçadas

De mãos dadas

Semear o amor

Essa nova semente de amor e fraternidade fortalece a intrepidez, a perda do medo, quando se tem tanto medo do medo. José Afonso faz um convite renovado para se perder o medo e se adquirir a força da intrepidez, segundo Gandhi, uma das maiores e mais nobres qualidades do espírito humano que só se adquire pela prática.

Neste novo caminho que é também procura de fraternidade, união entre os homens, procura de verdade, José Afonso convida a juventude e o seu povo à amizade universal, sem fronteiras, em “Traz outro amigo também” (Traz outro amigo também) e à fraternidade com todos os seres humanos e da natureza:

Amigo maior que o pensamento

Por essa estrada amigo vem

Não percas tempo que o vento

É teu amigo também

( “Traz outro amigo também”)

 

Grândola vila morena

Terra de fraternidade

( “Grândola vila morena”,

Cantigas do Maio)

 

irmã cotovia

(“Que amor não me engana”.

Venham mais cinco)

Entre os animais que brevemente mencionámos do bestiário da poesia de José Afonso, figuram a toupeira e a hidra, a propósito da verdade profunda e penetrante que procura. A toupeira que perfura a terra; a hidra que é símbolo dos vícios e é convidada a dizer a verdade:

Eu vou ser como a toupeira

Que esburaca

 

Ó hidra, diz-me a verdade

Nua e crua

(“Eu vou ser como a toupeira”)