O amor entre o homem e a mulher retoma na poesia de José Afonso várias raizes culturais e literárias, nos seus matizes de paz, amargura, sublimidade e desapego. Há uma canção rara exclusivamente dedicada ao amor – “Que amor não me engana” (Venham mais cinco) -, nas suas dimensões de infinito e de paz, na qual o amor é associado ao mar e à noite. A “noite marinheira” acompanha a “brandura” do amor:
Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se da antiga chama
Mal vive a amargura…
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira
No final deste belíssimo poema, acompanhado a harpa, a cotovia, símbolo da alegria da madrugada, anuncia o caminho para a luz e a fraternidade com a natureza:
Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
Pl’o nascer do dia
Na canção “Cantigas do Maio” (Cantigas do Maio) , o autor retoma o tema medieval da visita do cavaleiro à sua “amada” , num ambiente de vida rústica, apaziguada pela presença da natureza (“no jardim”, “verdes prados”, “verdes campos”) e pelo trabalho da fiação do linho. Este poema tem um inesperado refrão popular que traduz a amargura que tem a ver provavelmente com a relação entre o amor e a morte.
Encontramos neste refrão um modo de exprimir a doçura e amargura do amor – criada pela poetisa grega Safo, no adjectivo glykypikros=doce-amargo, como atributo do amor- e da alma portuguesa:
Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Venha então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou
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