O poema cantado “Tecto do Mendigo” (Cantares do Andarilho) ou “Tecto da montanha” constitui também uma bela síntese da procura de um lugar de paz, de um lugar santo. Santo no sentido de reunir todas as forças da alma (“Sanctus”, em latim, donde proveio a palavra “santo” está relacionado com o verbo “sancire” que significa “unir o que estava desatado”; “sanctus” significa “unido”).
É evidente que a ideia de pobreza, neste poema, nada tem a ver com a miséria, mas com a posse apenas do essencial, no plano das necessidades materiais: um tecto, um abrigo, viver à luz da vela, ter “duas camisas lavadas”, não havendo referência à comida. Neste caso, parece ser clara a importância do alimento do espírito do homem que sabe viver consigo próprio, assumir a solidão de todos nós que nascemos, vivemos e morremos sós. O mendigo é também aquele que além de pobre sabe caminhar, peregrinar, encontrar comida quando precisa, sem nela estar predominantemente concentrado.
Neste poema cantado, o “lugar ermo”, “ o tecto do mendigo” é o lugar santo onde aquele que preza ser pobre, ter apenas o essencial para viver, com algumas marcas de ascese - no sentido original de “exercício”, neste caso espiritual - de saber exercitar o autodomínio para viver com o indispensável e com a sua própria solidão -, esse homem pobre alcançará a luz, verá “ o sol de uma janela” e a alcançará a paz. O poema assume um ideal humano, pessoal, uma aspiração espiritual do próprio sujeito lírico, no agora e para o futuro. Nesse “lugar ermo” alcançará também sabedoria pelo autodomínio das suas forças e a companhia que saberá fazer a si próprio – “aí serei meu dono e companheiro”-. Esse lugar santo encontra-o ao longo da sua procura de libertação, de paz e sabedoria que lhe proporcionará uma visão do mundo, de cima, distanciada, do alto da montanha, escrita numa linguagem simples despojada, em perfeita harmonia com a música.
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