A emigração mantém, na obra de José Afonso, o aspecto conotativo de heroísmo. Como a finalidade da emigração é essencialmente material, o resultado do esforço está mergulhado na incerteza, na incoerência, e por vezes na tragédia.
José Afonso consagrou dois poemas cantados à emigração, a partir das realidades sociais que conheceu, sem se submeter, como aliás aconteceu em toda a sua poesia, a escravizações ideológicas nem se deixar levar pela tendência panfletária. A fibra da sua obra é poética, atravessa a consciência das realidades, as aspirações utópicas e a esperança.
Em “Canção do desterro” (Traz outro amigo também), a partida de um grupo de emigrantes num barco mostra o sentido da aventura conducente à contradição e à tragédia. Os emigrantes têm uma certa espera positiva em relação ao desconhecido, querem prosseguir o combate; outros ecoam na voz de uma velha obstinada e angustiada, gritando: “onde vamos morar”…, “onde vamos viver”…”onde vamos morrer”.
“Adeus Ó Serra da Lapa” (Venham mais cinco) denuncia a incoerência da emigração: o amor da terra, a procura de tudo fazer para a salvar, opostos à realidade actual, dos anos 60 e 70. O emigrante, ao querer partir, integra-se na engrenagem de quem o deixa partir a troco de dinheiro – “O meu dinheiro contado” – e o faz cair no fatalismo de “O meu caminho está traçado” no qual foi muito penoso entrar e do qual não pode nem quer sair, mesmo tendo saudades da terra – “não faço gosto em voltar”.
Apesar de José Afonso não desenvolver mais este tema, este seu poema tem implícito, pelo seu reverso, um retorno à vida simples, reduzida ao essencial, ou seja à pobreza conotada com a esperança de ter apenas o essencial para viver, sem excessos de ambições materiais nem outras, que poderia ser conducente à libertação do sofrimento que traz a emigração, motivando o seu regresso a Portugal.
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