José Afonso criou poemas cantados com a mais elevada expressão do seu lirismo que vivificam a mulher do povo e prestam homenagem às heroínas populares.
O poema “Maria” exprime a mulher na sua união com a terra. Maria é um ser que nasceu e vive na terra, conservando a frescura e espontaneidade que desperta no sujeito lírico o desejo de se unir à terra onde Maria foi criada. Este poema retoma não só a tradição milenar de união com a terra Mãe, através da beleza da mulher e do amor, mas também a tradição portuguesa, alentejana do amor à terra
Maria
nascida no monte
à beira da estrada
Maria
Bebida na fonte
Nas ervas criada…
Maria
Nascida no trevo
Criada no trigo
Quem me dera
Maria que o trevo
Casara comigo
As metáforas relativas à beleza de Maria têm ainda a ver com a paz, a pobreza, a cultura mediterrânica- “flor de tangerina”, “beiral do mendigo”.
“Cantiga do Monte” (Traz outro amigo também), um dos mais belos poemas cantados de José Afonso, escrito em quadras, exprime a beleza da mulher identificada com a beleza da natureza, numa sequência de metáforas que aglutinam o essencial da mais pura expressão lírica erudita e popular da beleza feminina, não esquecendo o uso de palavras de origem medieval (“louçã”, “o seu folgar”)
Fragrância morena
Portal de marfim
Ondina açucena
chamando por mim
Cada verso desta canção é uma síntese perfeita de beleza e força telúrica onde o poder incantatório e erotizante do canto da jovem se torna num elo de união entre a terra e o mar:
Ó rosto da terra
E abismo do mar
Ouvide o seu canto
De longe a arfar
Poderíamos dizer que José Afonso é o grande mestre da expressão desta união perfeita de elementos literários populares e eruditos, do poder incantatório da palavra unida à música e comunicada pela sua voz que parece brotar do interior da terra ou do mar e abrir-se para o infinito.
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