Em “Coro dos Caídos”, os “animais da treva” são convidados ao canto e à dança nessa época de agonia. Em “ O Largo do Breu”, José Afonso denuncia as trevas da irreligião, da prostituição e da indiferença, a consciência do atrofiamento da luz na vida dos homens, o conjunto dos erros e afrontas da “noite que faz tremer os mortais”.
“Vejam bem” (Cantares do Andarilho), um dos mais importantes poemas cantados de José Afonso, denuncia, em estrofes breves e incisivas, a doença social da indiferença que se manifesta para com os vagabundos, os que andam à procura de sobrevivência e de libertação, os doentes e fracos que lutam pelo pão quotidiano.
Quem lá vem
Dorme à noite
Ao relento
Na areia
Dorme à noite
Ao relento
Do mar
E se houver
Uma praça
De gente
Madura
E uma estátua
De febre
A arder
Anda alguém
Pela noite
De breu
À procura
E não há
Quem lhe queira
Valer
Vejam bem
Daquele homem
A fraca
Figura
Desbravando
Os caminhos
Do pão
A metáfora da “estátua a arder” combina a ideia de petrificação (estátua) e de delírio ( de febre) que leva à destruição pelo fogo ( a arder), afasta o Homem da sabedoria, do amor aos outros homens, levando-o à indiferença pelo sofrimento alheio, à falta de solidariedade. |