Para melhor intelecção do que se disse no capítulo anterior, acrescente-se uma breve referência a uma outra tecedeira — Penélope.
A lenda de Penélope, a fidelíssima esposa de Ulisses, é bem conhecida. Muitos autores antigos a glosaram mas foi Homero quem pela primeira vez a narrou, na Odisseia. Durante os vinte anos em que Ulisses esteve ausente devido à Guerra de Tróia e às aventuras que lhe sucederam no regresso e retardaram a sua volta ao lar, Penélope sempre resistiu a quebrar os votos matrimoniais. Rodeada de pretendentes que a consideravam viúva, fez saber que escolheria um novo marido apenas quando terminasse uma certa teia que se propôs tecer — a mortalha do sogro dela, Laertes, já muito idoso e não muito distante dos últimos dias de vida. Penélope ordenou às servas que levantassem um grande tear na sala e pôs-se a tecer o funéreo manto; durante o dia, trabalhava no tecido; de noite, porém, às escondidas, desmanchava quanto urdira à luz do dia. Deste modo conseguiu enganar os pretendentes durante três anos, até que foi descoberta — mas Ulisses chegou a tempo e trucidou os pretendentes com requintes de crueldade… (Homero 2003, II, 85-128; XIX, 104-250; XXII, 1-501).
Ao contrário de Arachne, mulher forte da mesma raça das Amazonas que venceram as Górgonas, conquistaram os Atlantes, cercaram Atenas e invadiram o Egipto, até serem vencidas por Teseu (advento do patriarcado), Penélope é a submissa, a que aceita o destino, e a sua teia é a do subterfúgio para permanecer enclausurada no lar, fiel ao homem e a ele submetida. Tão submetida ao homem que obedece ao próprio filho, Telémaco, «para agradar aos deuses». A arte de Penélope não foi, assim, coarctada por nenhuma deusa em cólera, mas tão-pouco se insere numa autêntica tradição iniciática: é apenas a arte e o mester de quem aprendeu dos homens e não dos Mistérios, é a arte das tecedeiras e bordadoras populares, domésticas, que se limitam a transmitir antigos simbolismos e segredos de ofício de mães para filhas mas que ignoram os verdadeiros traçados de Geometria Sagrada, capazes de proteger o templo-corpo do ser humano das fatais arremetidas das «trevas exteriores». |