Acabámos de ver, segundo o que ensinam as mais comuns correntes esotéricas de tradição judaico-cristã e/ou hermesista neo-alexandrina, as origens das formas primordiais de Iniciação, a Iniciação real ou cainita (de Caim) e a Iniciação sacerdotal ou sethiana (de Seth). Convém deixar bem claro desde o início, e tal como já se esboçou mais atrás, que os respectivos poderes hierofânticos, o poder real e o poder sacerdotal, são sagrados, em oposição aos poderes e actos profanos. Já agora, e para acréscimo de esclarecimento, anotemos que o termo «sagrado», que deriva do particípio latino sacratus, «consagrado», tem a sua origem inicial no verbo latino secedere, que significa «retirar-se», «apartar-se», «afastar-se», o que implica desde logo a ideia de alguma forma de núcleo iniciático, reservado e restrito, e da correlativa disciplina do segredo (disciplina arcani), no templo, no palácio ou no laboratório — no que se opõe ao que é permissível em campo aberto e aos que apenas podem ficar fora do templo, ou seja, os profanos (latim: pro fanum, «diante do templo»), não lhes sendo permitido o acesso-ingresso no respectivo recinto reservado.
Nunca será de mais repetir e acentuar que tanto o sagrado real como o sagrado sacerdotal, opondo-se embora ao mundo profano por serem campos sagrados, são-no todavia segundo modelos que têm seguido percursos divergentes ao longo duma extensa fase da História, senão mesmo conflituosos, como podemos observar por exemplo em todas as lutas que durante séculos opuseram, no Ocidente, o papado aos reis e imperadores. (A confirmar a sacralidade da linhagem real, e não apenas da eclesiástica e devocional, observemos o facto não inocente de os imperadores germânicos que se opuseram ao papado na Idade Média considerarem o seu império como Sacro Império Romano).
A Iniciação sethiana, ou Iniciação sacerdotal, manteve-se como Iniciação regular através de diversas tradições antigas (mesopotâmica, persa, judaica, grega, etc.) até ao momento da exoterização progressiva da tradição cristã com a preponderância crescente das comunidades cristãs proto-ortodoxas e ortodoxas que deram origem à Grande Igreja de Roma reconhecida e tolerada oficialmente por Constantino em 313 d.C., e imposta como religião única de todo o Império Romano, com proibição total do paganismo (e mesmo do cristianismo gnóstico e/ou esotérico) pelo imperador Teodósio em 391 d.C. No caso da tradição cristã, a Iniciação sacerdotal manteve-se nas comunidades de tipo esotérico (gnósticas, etc.) enquanto duraram, apesar das implacáveis perseguições que sofreram por parte da Igreja romana conforme se pode coligir de relatos históricos coevos e dos textos gnósticos que chegaram até nós, bem como da interpretação crítica que deles se pode fazer (Hoeller 2002, 81-92). Com a exoterização progressiva da linha eclesiástico-ortodoxa do cristianismo, a Iniciação sacerdotal desapareceu para dar lugar à Ordenação sacerdotal, e o sacerdócio deixou de ser mysterium para se tornar sacramentum, validamente conferido apenas aos baptizados do sexo masculino de acordo com o direito canónico da Igreja católica romana («Sacram ordinationem valide recipit solus vir baptizatus», cânone 1024 do Codex iuris canonici [«Código do Direito Canónico»], versão reformada do Codex de 1917, e promulgada em 25 de Janeiro de 1983 por João Paulo II).
Concentremo-nos, agora, na Iniciação cainita — originadora das Escolas de Mistérios e respectivas Iniciações ocultas —, uma vez que a Iniciação sethiana, própria da classe devocional e sacerdotal, não dá origem a Escolas de Mistérios devido à sua vertente exclusivamente mística. De acordo com o esoterista Oswald Wirth (1860-1943), o ocultista desenvolve a sua individualidade através da exaltação do Enxofre e a sua Iniciação é masculina ou dórica (Marte), ao passo que o místico conforma a sua personalidade aos princípios da Iniciação feminina ou jónica (Mercúrio segundo Wirth, Lua segundo Heindel), sendo que o ideal máximo a alcançar consiste na superior harmonização de ambos os princípios, a que Wirth chama o Teurgo e as correntes Rosacruzes o Adepto, em que se concilia a elevada actividade intelectual do ocultista com a elevada passividade cordial do místico (Wirth 1975, cap. VI) (Para se complementarem mais detalhes sobre a diferença entre Iniciação oculta e Iniciação mística, ver: Macedo 2006, 37; Macedo 20002, 268-276).
Porquê a necessidade de duas Ordens contrapolares, uma masculina e outra feminina, a ROC (Real Ordem dos Construtores) e a ROT (Real Ordem das Tecedeiras) para a transmissão iniciática de determinados saberes — neste caso, concretamente, os saberes e os segredos dos ofícios reais atinentes à protecção mágica, astrológica, alquímico-hermética e cabalística do corpo-templo do ser humano?
Para além de outras artes e ofícios respeitantes a outras tantas formas de protecção, como a medicina, a filosofia ou a arte de bem navegar, sempre se prestou, desde o início, uma especial atenção aos ofícios que protegem directamente o corpo-templo do ser humano das «trevas exteriores», protecção essa realizada sob duas formas complementares, a construção protectiva com minerais e a tessitura protectiva com tecidos orgânicos.
Vejamos a origem desta dupla tradição esotérica. |