Na epístola aos Hebreus do Novo Testamento estabelece-se uma analogia entre Melquisedec, rei de Salem, e Cristo, sumo sacerdote da Ordem de Melquisedec (Hebreus 5, 6; 5, 10; 6, 20; 7, 11; 7, 17). O nome Melquisedec é formado por duas palavras hebraicas, maleki tsedeq, que significam «rei de justiça», ou «o meu rei é justiça». Por sua vez Salem significa «paz»; portanto, a Ordem de Melquisedec é a Ordem da Justiça e da Paz, e como Melquisedec era simultaneamente rei e sacerdote, eis-nos perante uma época recuadíssima em que ainda se não havia criado a fractura entre o poder real (associado ao Fogo) e o poder sacerdotal (associado à Água). Veremos mais adiante que ambos esses poderes, real e sacerdotal, são sagrados, em oposição aos poderes e actos profanos. Conforme nos relata o livro do Génesis, Melquisedec é a primeira figura bíblica dos tempos patriarcais a fazer um sacrifício não sangrento, de pão e vinho, em antecipação tipológica da Eucaristia Crística e ao arrepio do antigo costume dos sacrifícios de carne e sangue comuns a diversas formas de religião:
«Melquisedec, rei de Salem e sacerdote do Deus Altíssimo [hebr. El-Elyôn], mandou trazer pão e vinho, e abençoou Abrão dizendo: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo que criou o céu e a terra! Bendito seja o Deus Altíssimo que entregou os teus inimigos nas tuas mãos! E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo» (Génesis 14, 18-20).
Registe-se, entre parênteses, que nesta época o famoso patriarca ainda se chamava Abrão, que quer dizer «pai elevado». Só depois de Jahvé ter multiplicado a sua descendência passou a chamar-se Abraão, que significa «pai duma multidão».
Por outro lado, o derramamento sacrificial do vinho em vez do derramamento sacrificial do sangue é altamente significativo do ponto de vista alquímico: a tal união ancestral de Água e Fogo, ou seja, do poder sacerdotal e do poder real, fracturada em determinado momento histórico e novamente reinstaurada com o advento de Cristo, Rei e Sacerdote, é-nos dada precisamente pelo alcoólico vinho, síntese alquímica de água e fogo, tal como o Sangue, sede do Espírito, é uma essência relacionada com o Fogo. Relembremos a afirmação de João o Baptista referindo-se a Jesus: «Eu baptizo-vos com Água […], mas aquele que vem depois de mim […] baptizar-vos-á com o Fogo do Espírito Santo» (Mateus 3, 11).
Durante todo o longo, lento e penoso período da separação dos dois poderes, ou das duas linhagens, a linhagem real e a linhagem sacerdotal, as Iniciações assumiram — ou tiveram de assumir — determinadas formas e determinados padrões, de acordo com as épocas e as tradições esotéricas ou para-esotéricas onde se inserem e onde operam.
Podemos assim distinguir:
I. Formas de Iniciação proto-patriarcal (ver: Heindel 199510):
— Iniciação real ou cainita;
— Iniciação sacerdotal ou sethiana.
II. Formas de Iniciação pré-cristã (ver: Magnien 1938):
— Iniciação holoklêros;
— Iniciação sacerdotal;
— Iniciação hierofântica, ou real.
III. Formas de Iniciação proto-esotérica (ver: Tourniac 1993):
— Iniciação de ofício;
— Iniciação cavaleiresca;
— Iniciação sacerdotal.
IV. Formas de Iniciação cristã esotérica (ver: Heline 19886; Macedo 20002):
— Mistérios Menores (Marcos, Mateus, Lucas);
— Mistérios Maiores (João).
Algumas das subdivisões destas formas iniciáticas foram interrompidas em dado momento histórico e extinguiram-se, outras, raras, têm conseguido manter-se até hoje; outras, ainda, mantêm-se na aparência mas já perderam o Fogo espiritual original: um fio tradicional, uma vez seccionado, não se pode reatar, tal como um fio telefónico, uma vez cortado, deixa de transmitir mensagens ainda que se lhe dê um nó. Se alguém descobrir os antigos rituais de uma tradição iniciática perdida e decidir recomeçar a aplicá-los, de nada servirá: o Fogo vem de cima, não de baixo. Se não houver uma nova Onda de Luz trazida pelos Mestres — ou pelos Superiores Incógnitos, no dizer de Fernando Pessoa —, bem podem os oficiantes recitar as fórmulas e executar os gestos rituais que não farão mais do que lidar com cascas vazias — e a transmissão não passa. |