Ora, continuando a descrição do mito primordial que vínhamos relatando, o Espírito Lucífero Samael ao ir contra as determinações de Jahvé e ao ter dotado os seres humanos com o Fogo do Conhecimento (compare-se com o mito grego de Prometeu!), incorreu na ira deste chefe hierárquico e foi obrigado por Jahvé a afastar-se de Eva antes do nascimento do seu filho Caim, que ficou assim conhecido como filho da viúva. Em seguida, Jahvé criou Adão para com ela se unir (o nome Eva vem duma palavra hebraica, hawah, que significa «dadora da vida»). As correntes esotéricas que atrás referimos, e outras da mesma vertente neo-ocultista, pormenorizam e enfatizam o facto de os Espíritos Lucíferos (associados alquimicamente ao Fogo e astrologicamente ao planeta Marte) terem desvendado aos seres humanos o conhecimento da reprodução física (sexo) e da reprodução intelectual (voz, palavra de razão); Caim, de estirpe marcial e luciferina, cujo nome deriva duma raiz hebraica primitiva que significa «metalúrgico», deu naturalmente origem a uma descendência de artífices e de inventores — homo faber —, como se lê no capítulo 4 do primeiro livro bíblico (Génesis 4, 17-24).
Por sua vez o segundo filho de Eva, Abel, este sim de Adão, acabou por ser morto por Caim, e a razão desta morte insere-se numa lógica histórico-civilizacional: Abel era pastor, e Caim agricultor. A pastorícia primitiva, por força da transumância a que é obrigada em busca de novos pastos, indicia um estágio anterior de evolução da humanidade em relação à agricultura, produto de técnicas de manipulação genética das plantas e do cuidado e amanho das terras que permitem ao homem fixar-se e crescer colectivamente, estabelecendo-se em núcleos urbanos. A morte de Abel por Caim não foi um mitológico fratricídio, mas um facto comum à história das civilizações: Caim não matou o seu irmão Abel, matou o «modo primitivo de viver», o homo faber acaba por «matar» o outro homem, o que se mantém regressivo no estágio de pastorícia.
Continuando o mito, ficamos a saber que, para substituir Abel, Adão e Eva geraram Seth, o qual por sua vez gerou Enosh dando origem à linhagem do homo pius — a classe devocional e sacerdotal —, tal como se diz na Bíblia: «Foi então que os homens começaram a invocar Jahvé pelo seu nome» (Génesis 4, 26).
Ficam assim bem estabelecidas as duas grandes linhagens:
(1) A do homo faber que trabalha o fogo: — Dele derivam o aparelho de Estado e os reis, os artífices, a indústria, descendentes de Caim e associados ao Lucífero planeta Marte, deus do ferro, do fogo e da guerra. A respectiva Organização Iniciática, expressão interna do sagrado real, é o conjunto polar de duas Ordens: a Ordem Maçónica (ROC, ou Real Ordem dos Construtores) e a Ordem de Arachne (ROT, ou Real Ordem das Tecedeiras) (Macedo 20002, 211-218);
(2) A do homo pius submetido à água benta: — Dele derivam os clérigos, os devotos, os sacerdotes, descendentes de Seth e associados à húmida Lua, planeta da alma, da fecundação, das emoções. A respectiva Organização Sacramental, expressão interna do sagrado sacerdotal, é a Igreja (Heindel 199510, 20-22).
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