No que concerne especificamente à Iniciação feminina, as Ordens que conferem a Iniciação real ou cainita e a Iniciação sacerdotal ou sethiana assumem especial relevância: uma delas (da linha cainita), na sua vertente especificamente masculina, tem subsistido até hoje (referimo-nos à Ordem Maçónica), ao passo que a respectiva contraparte feminina (a Ordem de Arachne) viu-se obliterada num dado momento histórico, tendo sido interrompida a sua transmissão iniciática regular. Por outro lado, e de modo semelhante, a Iniciação da linha sethiana na sua vertente feminina, que existiu nas comunidades cristãs de tipo gnóstico, foi igualmente obliterada mas por obra da hierarquia eclesiástica proto-ortodoxa e ortodoxa, masculina, que transformou a Iniciação sacerdotal em Ordenação sacerdotal, sendo esta última arbitrariamente vedada às mulheres e inscrita, com esta restrição, no cânone da Igreja católica desde os seus inícios até hoje (Macedo 20002, 233-245).
Para melhor entendimento, recuemos até à instauração do mito primordial.
De acordo com o mito bíblico relatado no Génesis, Adão e Eva viviam em inocência no paraíso (Eden), até que a «Serpente» convenceu Eva a comer os frutos da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal; por sua vez, Eva deu a comer esses frutos a Adão, os olhos de ambos abriram-se e perderam a inocência (Génesis 3, 1-13). Com esse conhecimento, Eva e Adão entregaram-se à prática das relações sexuais e Eva concebeu Caim (Génesis 4, 1). Desta lenda existe uma outra variante, extrabíblica, que remonta à tradição targúmica (Targum Pseudo-Jonathan Genesis 4, 1) e refere que o primogénito de Eva, Caim, não era filho de Adão mas de um Anjo caído, Samael. Segundo esta variante, os Elohim criaram primeiro Eva, e um deles, Samael, rebelou-se contra Jahvé, e a ele se juntaram outros Elohim rebeldes (Lucíferos). Samael uniu-se a Eva em contravenção ao que estaria programado para a espécie humana por Jahvé, grão-chefe de todos os Elohim, e dessa união nasceu Caim, que seria portanto de estirpe semidivina (pai divino, mãe humana), dotado com as respectivas capacidades: inteligência, inventividade, perícia criativa, herdadas de seu pai Samael — embaixador Lucífero de Marte na Terra (Heindel 19732, 298-299; Heindel 199510, 71-75).
Anotemos desde logo que, tanto no mito bíblico, como no mito extrabíblico, Caim é sempre o primogénito, e nasce, quer num caso, quer no outro, em consequência da intervenção mais ou menos directa de um Espírito Lucífero, marciano, designado por «Serpente» por ter despertado o Fogo Serpentino da kundalini, transmitindo aos seres humanos o conhecimento da reprodução sexual bem como o conhecimento do progresso e desenvolvimento intelectual.
Antes porém de irmos mais adiante convém esclarecer alguns pontos sobre os quais a opinião dos esoterólogos diverge da opinião institucionalizada das Igrejas. A palavra hebraica elohim, que as Bíblias correntes traduzem por «Deus», na verdade é um plural, «deuses», e nessa forma plural aparece mais de duas mil vezes na Bíblia hebraica, a começar pelo primeiro capítulo do Génesis: «No princípio Elohim criou o céu e a terra» (Génesis 1, 1). A forma singular, eloah, também se encontra no Antigo Testamento: só no livro de Job, por exemplo, aparece cerca de 40 vezes. Excluída a frágil explicação do plural majestático, que de facto em hebraico não existe, certos autores interrogam-se acerca do real significado de não poucas passagens bíblicas, como por exemplo o seguinte versículo: «Elohim criou o ser humano [hebr. ha-adam] à imagem de si próprio, à imagem de Elohim o criou, macho e fêmea os criou» (Génesis 1, 27). Eis uma expressiva sentença que tem continuado a desencadear as mais controversas especulações: o Deus plural Elohim seria andrógino? Ou: não se trataria antes dum arcaico panteão de deuses e deusas, machos e fêmeas, aos quais a criatura humana se assemelharia?…
Um certo número de historiadores (cf. Frymer-Kensky 1992; Paul 2000; etc.) admite que os israelitas, à semelhança de outros povos que os antecederam no Médio Oriente como os sumérios, os acádios, os ugaritas, os egípcios, começaram por ser politeístas, em seguida tornaram-se henoteístas (devoção a um deus máximo exclusivo, o deus tribal Jahvé, aceitando embora a existência doutros deuses menores), até que finalmente so fixaram no monoteísmo conforme nos testemunham textos tardios como o Deuteronómio, em que o deus tribal Jahvé acabou por eliminar todos os outros deuses tornando-se único e universal: «Escuta, Israel, Jahvé é o nosso Deus, Jahvé é um só» (Deuteronómio 6, 4)
As mais divulgadas correntes esotéricas neo-ocultistas (Blavatsky, Heindel, Steiner, Aïvanhov, etc.), inspirando-se em autores de theosophia perennis dos séculos XVII e XVIII, e anteriores, sugerem que os Elohim correspondem às seis Hierarquias Criadoras que trabalharam na evolução do ser humano a fim de trazerem o homem até ao ponto de adquirir uma forma física por meio da qual o Espírito interno pudesse funcionar. Assim, Jahvé seria o chefe dessas Hierarquias, e não exactamente o Ser Supremo com que redactores tardios o confundiram. Não podemos esquecer que os livros do Antigo Testamento bíblico tais como os conhecemos hoje, sobretudo os mais primitivos, resultaram de uma longa e arcaica tradição oral que foi por fim passada a escrito por sucessivas gerações de redactores e escribas, com as correcções, reformulações e deformações inevitáveis. |