91
Só o único é ubiquo. A singularidade faz a força. O que melhor se dissimula dá-se em toda a parte.
92
O senso-comum até pode desvirtuar a experiência. A linguagem deforma as percepções. Mas o modo como as percepções são deformadas também constitui uma experiência única. Em vez de abolir o senso-comum há que cultivar o senso-incomum.
93
Quanto mais conscientes somos dos limites de qualquer coisa ou dessa metáfora ambiciosa a que chamamos Universo, mais lhe retiramos a finitude sem para isso incorrermos na tentação demente da infinitude. Conjugação do des-finito e do des-infinito.
94
A sintaxe é menos um espartilho ou um elemento que põe ordem entre as palavras do que um método que incita à exploração de algo mais complexo, como se uma pulsão transgressora lhe fosse subjacente. A sintaxe convida às explosões intersticiais, às bifurcações, às ambiguidades galopantes, aos exageros proteiformes.
95
As palavras são as muletas da memória. É certo que simplificam, como se quisessem abolir os objectos que nomeiam, mas também amplificam como se procurassem reproduzir uma glória subterrânea.
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Concebemo-nos como algo indiscritível porque achamos que a linguagem é demasiado pobre para traduzir as nossas atribuladas intermitências e incoerências. Mas o que procuramos na linguagem é menos o preenchimento de um vazio do que um povoamento refutativo. A linguagem é aquilo que usamos para nos expropriarmos, para nos livrarmos da própria linguagem e de tudo o resto. A expropriação é o extase.
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A atenção só se torna atenta na meditação. A meditação, como todo o bom crime, resulta de uma perversa premeditação.
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Desconfia das contradições nas suas formas extremas: o lado dilacerante e o confortavél hábito. A contradicção é a formatação lógica das representações. A formatação lógica é útil como referência caricatural. A confusão é mais realista.
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A função da lógica é ir suprimindo gradualmente todo o sentimento de realidade através de refutações involuntárias mas consequentes. A lógica reforça a nossa sensação de alienação.
100
É um contrassenso pensar no autor quer como normatividade estilistica quer como algo conceptualmente uniforme. As atribuições autorais dos textos antigos têm-se entretido a desmontar camadas de autores em textos que parecem ser palimpsestos, como é o caso de grande numero de livros bíblicos. Mas a perplexidade surge em autores estilisticamente ricos como Empedocles ou Antifonte.
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