101
É uma perca de tempo tentar exterminar a autoria. Não é uma operação muito diferente do exterminio de uma raça ou da propriedade privada. A autoria, tal como a propriedade privada é um roubo, mas um roubo tão ou mais necessário quanto o fogo. A autoria é o que nos torna rivais dos deuses. Mais problemáticas são as noções de originalidade ou de direitos do autor. A autoria é precisamente aquilo que se desembaraça produtivamente do mito da originalidade e que infringe permanentemente a ideia absurda dos direitos de autor.
102
O perspectivismo continua a ser a única atitude hermeneutica possível. Os enigmas só se oferecem na resposta às inquietações do presente. O que é do passado nem ao passado responde. O sentido foi vacilação de sentido, pregnancia transicional.
103
Mesmo o supostamente inanimado está em interacção. A recusa em participar é participação. Mas há duas esferas de participação: a que vai no sentido do desprazer e da simplificação, e a que vai sentido do prazer e da complexidade. Ou dito de outra maneira: a que vai no sentido da falsa separação da carne e do espirito e a que vai no sentido da conscencialização da carne enquanto espirito e do espirito enquanto carne.
104
Estar consciente é estar aberto às perturbações. Ao asfixiarmos as perturbações asfixiamos o que através de nós é expansão, vida, mundo.
105
O performativo é o que se vai formando antes da forma se formar.
106
Os conceitos são agentes secretos do indistinto que estuturaram distinções. Os conceitos podem-se criar uns aos outros mas o seu estatuto é como se fosse de algo incriado. Os conceitos são uma agitada espectralidade que procura reencarnar noutros corpos.
107
Procuramos designar qualquer coisa como um artigo que busca mais substancia que a dos substantivos.
108
Só forjamos diferenças a partir da focagem que as tautologias nos abrem. São as tautologias que nos homogeneizam a percepção formando narrativas espontaneamente.
109
A repetição da designação de um objecto não o faz aparecer mais, embora a insistência pareça ir nesse sentido: a rose is a rose is a rose ou o what you see is what you see. Pelo contrário, a negação repetida de qualquer evidência faz com que qualquer coisa realmente apareça, embora uma designação não seja imprescindível. O que aparece é o que se opõe a qualquer silênciamento, místico ou não.
110
A indeterminação começa ainda antes do sujeito. Desanima-se no meio das nossas subjectividades e prossegue o seu caminho tentando contornar as mais diversas causalidades.
111
A origem e a finalidade são os extremos trágicos de uma comédia. O intermédio é ridiculo e vem cheio de inextricáveis dificuldades. Sem dificuldades não há diferenças. O que é comunicável é a diferenciação a que julgamos que gostariamos de fugir. O que nos regenera é aquilo que antes temíamos.
112
A competição é uma adversidade imaginária que cultivamos para não nos repertirmos comodamente.
113
Poderiamos ver por espelhos e enigmas, mas os espelhos estão partidos e os enigmas incompletos.
114
As medidas em vez de regularem as desmesuras acabam por excitá-las. A tecnologia tornou-se a medida da humanidade libertando uma natureza titânica anterior à natureza olimpica.
115
As intenções engravidam o sentido. Mas a maior parte das vezes abortam.
116
A sinceridade consigo mesmo é insuficiente. Falar convincentemente de sinceridade é camuflar uma ignorância. Mas não podemos deixar de confiar nessa estratégia de sincera dissimulação que nos torna mais enxutos, mais honestos e mais confiáveis.
117
A confiança reciproca é uma aposta que arrasta consigo muita confusão. Qualquer amizade ou compromisso é um enterlace de simpatias e de compromissos que atraiem demasiada confusão. É essa confusão que assassina as amizades ou que as salva da estagnação.
118
A linguagem e o silêncio já disseram tudo menos as improváveis traduções que se desviarão defenitivamente dos falsos sentidos originais.
119
A incrível credibilidade do que nos afecta.
120
Os factos são bifurcações no sentido de humor que sustenta o mundo.
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