A Máscara, vestida de quimono, com maquilhagem kabuki,
traz na mão o livro «Confissões de uma
máscara», de Yukio Mishima. Sobe ao palco
pelo lado da plateia e corre parcialmente o
pano, deixando ver Yukio Mishima sentado sob
o seu retrato, e D. Sebastião, no oratório,
a fazer de mártir.
Declama o texto de Mishima entre apontamentos de teatro
kabuki, tanto quanto possível como se o
texto fosse um guião de teatro nô. Em
silêncio, projecção de fotografias do
discurso de Mishima aos soldados e do
harakiri.
(Kabuki)
«De
um canto do livro, surgiu então uma pintura
que senti estar lá só por minha causa, à
minha espera: não conseguia pensar em outra
explicação. Era uma reprodução do São
Sebastião de Guido Reni, do acervo do
Palazzo Rosso de Génova.
A sua
cruz era um tronco negro e algo inclinado na
árvore, tendo ao fundo uma floresta sombria
e, ao longe, um céu acinzentado de fim de
tarde, ao estilo de Ticiano. Um jovem de
beleza excepcional estava ali amarrado, nu.
As suas mãos encontravam-se cruzadas no
alto, e os pulsos, presos à arvore por
cordas. Não se viam outros nós a atá-lo,
apenas um grosseiro pano branco pendia
frouxamente em torno da cintura, cobrindo
sua nudez.»
(Dirige-se para a cena, contempla-a
durante um momento,
e depois corre o pano totalmente)
S.
Sebastião, Guido Reni
«Naquele dia, ao olhar para a pintura, todo
o meu ser estremeceu, movido por certa
alegria pagã. O sangue disparou, o meu órgão
ficou da cor da fúria. Aquela parte de mim
que crescera, que parecia prestes a
explodir, aguardava com ansiedade inaudita
que eu tomasse alguma providência;
repreendendo-me por minha ignorância,
ofegava enraivecida. Inconscientemente, as
minhas mãos começaram a fazer movimentos que
ninguém jamais lhes havia ensinado. Senti
que algo oculto e radiante subia dentro de
mim a passos alados, pronto para o ataque. E
enquanto eu devaneava, jorrou, trazendo
consigo uma embriaguez estonteante...»
(Fica suspensa durante um
tempo, a meditar e a folhear o livro; depois
arruma os objectos, com calma, e vai abrir
completamente o pano. Em cena, D. Sebastião
e S. Sebastião, com fato branco, de
cerimónia, os cabelos muito penteados com
brilhantina, estão imóveis numa posição de
tango. No oratório, a fazer de S. Sebastião,
está Yukio Mishima).
MARIA ESTELA
GUEDES (Britiande, Portugal, 1947) Escritora, editora, agente cultural.
Alguns livros publicados:
Herberto Helder, Poeta Obscuro
(Lisboa, Moraes Editores);
Ernesto de Sousa - Itinerário dos
itinerários (Lisboa, ed. Museu
Nacional de Arte Antiga);
Tríptico a Solo (São Paulo,
Editora Escrituras); Chão de
Papel (Lisboa, Apenas Livros);
Geisers (Bembibre, ed.
Incomunidade). Obras levadas à cena:
O Lagarto do Âmbar (ACARTE);
A Boba (teatro Experimental
de Cascais).
Currículo em:
http://www.triplov.com/estela_guedes/curriculo/index.html
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