Noite.
Crescente iluminado. Dunas. D. Sebastião
adormece no areal. S. Sebastião
liberta-se das cordas e vem até junto dele;
olha para Bastião, enternecido, acaricia-lhe
os cabelos; pegará nele ao colo. D.
Sebastião continuará a dormir; depois
acorda, mas finge que dorme.
S.
Sebastião –
Adormeceu
de tão cansado,
O
rei-menino…
Meu bom
Jesus, protegei-nos…
(D.
Sebastião ouve uma voz, estremece, mas volta
a encostar-se para dormir.)
S.
Sebastião –
Todo o meu
apelo vai nas ondas
E pelas
ondas vem a mente dele ouvir-me.
Estas
ondas
Que na
praia do Tamariz
Se quebram
leves
Rendas à
roda do pescoço
Minha
amada flor de lis…
(S.
Sebastião senta-se com D. Sebastião ao colo;
Bastião olha para o céu, extasiado, mas,
nada vendo, finge que adormece.)
S.
Sebastião –
É maior o
desejo do que o mar.
O
Atlântico atrai para o deserto
Onde sem
lápide jazerás reinando
Per
saecula saeculorum…
D.
Sebastião (Erguendo a cabeça,
espantado, responde, e logo volta a recolher
a Penates)
Amen… Amen…
S.
Sebastião (Acena que não com a cabeça) –
Sem Amen
na prece a rematar…
Já não se
usa, meu menino…
(Aparte)Agora não tem fim nosso rezar…
Mártir,
eu, per saecula saeculorum
Ficarei
rezando.
Amo-te,
Bastião, ó flor imarcescível!
Lembras-me
Cristo, a régia coroa
A
cingir-te a fronte,
O peito,
como o dele, pelo martírio trespassado…
(Segredo)
Tanto sofre, e de vergonha, o pequenino…
(D.
Sebastião soergue-se para responder, mas
retrai-se, aconchegando-se no colo do santo)
S.
Sebastião (Canção de embalar) -
Dorme,
dorme, meu menino…
Órfão de
pai e de mãe…
Dorme
enquanto te ilumino
Com os
oásis do Além…
Meu
cavaleiro pela noite
Meu lençol
de esperma coalhado
Em que
estrelas choram por seres tão casto…
Olha que
mais rebelde à morte, mais que tu,
rei-menino,
Sou eu,
Sebastião, que não fui rei nem casto,
Mas que
sou soldado, gay e corajoso mártir.
(D.
Sebastião soergue-se, estremunhado, e S.
Sebastião recua para o oratório,
amarrando-se à árvore. O santo canta, muito
órfico, e o rei vai-se erguendo e caminhando
na direcção do canto, até ajoelhar em êxtase
místico)
S.
Sebastião ( Fado ) –
Cavaleiro
imberbe pela tarde
O esperma
coalhado no deserto...
Fertiliza
areias do areal deserto
Com as
colheitas da imaginação…
Choram as
areias por seres tão casto…
Por seres
tão casto,
Choram as
areias do areal deserto…
Meu rei
quase criança, Bastião...
Dez mil
guitarras no areal deserto
Lágrimas
de areia choram por ti...
Lágrimas
de areia morena
É por ti
que choram em Alcácer-Quibir…
Por seres
tão casto, Bastião,
Choram as
areias do areal deserto… |