Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX NÚMERO 05|ABRIL DE 2010

NÚMERO 05

Abril 2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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MARIA ESTELA GUEDES

Tango Sebastião

 

 

 

 

Britiande . 2010
© Maria Estela Guedes

1. Personagens, etc..

2. Sinopse

Cena 1
Cena 2
Cena 3
Cena 4
Cena 5
Cena 6
Cena 7 e última

CENA 5

Areias de Alcácer-Quibir. As dunas estão semeadas de guitarras. D. Sebastião, caído, com a roupa em farrapos, tenta perceber de onde vem a voz que ouve. Tira o elmo para ouvir melhor. S. Sebastião, no oratório, desata-se das cordas e aproxima-se dele.

 D. Sebastião –  

A mim, a mim, cavaleiros!...

Acesa está a batalha

E meu coração ainda mais!

Três reis somos no combate

Mas só para mim brilha a vitória!

Erguei, erguei os pendões reais! 

S. Sebastião -  

Regressas… É a hora, agora.

De um ofício de corpo presente? 

Por te amar in absentia

O peito me cobriram de sangue

Os sagitários romanos.

Sebastião, meu Sebastião!

 

Nas areias deste areal contas

Pelo rosário que te rezo

Com Deus à escuta nas ondas

Lendas de monstros meninos…

Cruel o nosso fado! A tua virgindade

Coroa-me o pénis com espinhos...

 

Porque eu sou o grande mar Atlântico

Desejo que por vagas nos conduz

Aos cimos do amor que te tenho…

 

Eu sou o que às Portas de Hércules se detém

O nome saboreando à oliva e ao figo seco

Para te amar aqui, além de Além. 

D. Sebastião –  

Além, além, cavaleiros!...

Numa taça brilhante, chega a vitória!

Erguei, erguei os pendões reais! 

(S. Sebastião senta-se na areia, e puxa Bastião para o seu regaço. Abraça-o, acaricia-o, a mão escapa para zonas proibidas. D. Sebastião dá-lhe o elmo, o santo atira-o fora com alguma impetuosidade, e volta às carícias. Ouve-se música de guitarra entrecortada por canto corânico. D. Sebastião, com gentileza, afasta a mão do santo). 

S. Sebastião – Glabro, és glabro. Não tens um único pêlo na face, és ainda menino... (Afasta as roupas para lhe ver o corpo) Nem na face nem no corpo. Aqui em baixo, onde as escravas gostam de esfregar o rosto, aqui em baixo não tens cabelos, não tens um pêlo em parte nenhuma do corpo… 

D. Sebastião (Passa as mãos pelo peito do santo, levanta-lhe os braços) – Tu também és tão nu, tão sem penugem nem pelagem... Nem nas axilas tens pêlos, depilaste-as? Somos donzelas ainda muito novas, tenras e verdes… E eu que desejava tanto um corpo viril, forte, um tronco de castanheiro… 

S. Sebastião – Tens o corpo de um adolescente, de um mártir, de um santo… (Afaga o outro, mas Bastião afasta-se, delicadamente). 

D. Sebastião – Sinto-me tão perto do azul, é tão nítida a paisagem a esta intensa claridade... E oiço um som, como ronco de navio que devesse levar-me para Lisboa, e partisse sem mim... 

S. Sebastião (Canta, fado) -

 

O ronco do navio é um aviso

De que está perto o legendário império

E que o espírito se veste de realidade

Em um futuro que é presente agora.

Porque tu és o mito lindo

O mito de que há impérios que se cumprem

Vencida a batalha de Alcácer-Quibir

Pelo meu Sebastião que é virgem.

 

Na penumbra secreta do teu pénis

Crepitam dedos desejosos

De tocar o tamariz selvagem.

 

(D. Sebastião afasta a mão do santo, com doçura)

 

Ó meu amor quieto como um ninho

Ó meu Sebastião que somos aves

Ó meu Desejado que és passarinho

Dos sonhos ateados no Verão!

Deixa-te vir louro como as brasas

Deixa-te vir moreno como abrunhos

Deixa-te vir, Graal misterioso,

Correndo como vinho no meu cálice!

 

Rasam as ondas procelárias

Paínhos, gaivotas, cagarras e andorinhas

E o albatroz que é rei nos ares

Se os versos sulcam água nos teus olhos

Como jóias muito raras e perdidas

Como os três reis finados no areal

Para viverem para sempre em livro!

 

Ó meu Sebastião dos dias 20 de Janeiro,

Ó meu rei de beicinho como um Cupido

Ó meu país que te comprazes em rezar deitado

Na ânsia de um rei da morte ressurgido

Em strip tease às portas do sacrário! 

 

 

(D. Sebastião arrasta-se e vai buscar o elmo; coloca-o na cabeça e ocupa o lugar do mártir no oratório, as mãos ao alto, amarradas)

MARIA ESTELA GUEDES (Britiande, Portugal, 1947)
Escritora, editora, agente cultural. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro (Lisboa, Moraes Editores); Ernesto de Sousa - Itinerário dos itinerários (Lisboa, ed. Museu Nacional de Arte Antiga); Tríptico a Solo (São Paulo, Editora Escrituras); Chão de Papel (Lisboa, Apenas Livros); Geisers (Bembibre, ed. Incomunidade). Obras levadas à cena: O Lagarto do Âmbar (ACARTE); A Boba (teatro Experimental de Cascais).
Currículo em:  http://www.triplov.com/estela_guedes/curriculo/index.html
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