Areias de Alcácer-Quibir. As dunas estão semeadas de
guitarras. D. Sebastião, caído, com a roupa
em farrapos, tenta perceber de onde vem a
voz que ouve. Tira o elmo para ouvir melhor.
S. Sebastião, no oratório, desata-se das
cordas e aproxima-se dele.
D. Sebastião
–
A mim, a mim, cavaleiros!...
Acesa está a batalha
E meu coração ainda mais!
Três reis somos no combate
Mas só para mim brilha a vitória!
Erguei, erguei os pendões reais!
S. Sebastião -
Regressas… É a hora, agora.
De um ofício de corpo presente?
Por te amar in absentia
O peito me cobriram de sangue
Os sagitários romanos.
Sebastião, meu Sebastião!
Nas areias deste areal contas
Pelo rosário que te rezo
Com Deus à escuta nas ondas
Lendas de monstros meninos…
Cruel o nosso fado! A tua virgindade
Coroa-me o pénis com espinhos...
Porque eu sou o grande mar Atlântico
Desejo que por vagas nos conduz
Aos cimos do amor que te tenho…
Eu sou o que às Portas de Hércules se detém
O nome saboreando à oliva e ao figo seco
Para te amar aqui, além de Além.
D. Sebastião –
Além, além, cavaleiros!...
Numa taça brilhante, chega a vitória!
Erguei, erguei os pendões reais!
(S. Sebastião senta-se na areia, e puxa Bastião para o
seu regaço. Abraça-o, acaricia-o, a mão
escapa para zonas proibidas. D. Sebastião
dá-lhe o elmo, o santo atira-o fora com
alguma impetuosidade, e volta às carícias.
Ouve-se música de guitarra entrecortada por
canto corânico. D. Sebastião, com gentileza,
afasta a mão do santo).
S. Sebastião – Glabro, és
glabro. Não tens um único pêlo na face, és
ainda menino... (Afasta as roupas para
lhe ver o corpo) Nem na face nem no
corpo. Aqui em baixo, onde as escravas
gostam de esfregar o rosto, aqui em baixo
não tens cabelos, não tens um pêlo em parte
nenhuma do corpo…
D. Sebastião (Passa as mãos
pelo peito do santo, levanta-lhe os braços)
– Tu também és tão nu, tão sem penugem nem
pelagem... Nem nas axilas tens pêlos,
depilaste-as? Somos donzelas ainda muito
novas, tenras e verdes… E eu que desejava
tanto um corpo viril, forte, um tronco de
castanheiro…
S. Sebastião – Tens o corpo de
um adolescente, de um mártir, de um santo…
(Afaga o outro, mas
Bastião afasta-se, delicadamente).
D. Sebastião – Sinto-me tão
perto do azul, é tão nítida a paisagem a
esta intensa claridade... E oiço um som,
como ronco de navio que devesse levar-me
para Lisboa, e partisse sem mim...
S. Sebastião
(Canta, fado) -
O ronco do navio é um aviso
De que está perto o
legendário império
E que o espírito se veste de
realidade
Em um futuro que é presente
agora.
Porque tu és o mito lindo
O mito de que há impérios que
se cumprem
Vencida a batalha de
Alcácer-Quibir
Pelo meu Sebastião que é
virgem.
Na penumbra secreta do teu
pénis
Crepitam dedos desejosos
De tocar o tamariz selvagem.
(D. Sebastião afasta a mão do
santo, com doçura)
Ó meu amor quieto como um
ninho
Ó meu Sebastião que somos
aves
Ó meu Desejado que és
passarinho
Dos sonhos ateados no Verão!
Deixa-te vir louro como as
brasas
Deixa-te vir moreno como
abrunhos
Deixa-te vir, Graal
misterioso,
Correndo como vinho no meu
cálice!
Rasam as ondas procelárias
Paínhos, gaivotas, cagarras e
andorinhas
E o albatroz que é rei nos
ares
Se os versos sulcam água nos
teus olhos
Como jóias muito raras e
perdidas
Como os três reis finados no
areal
Para viverem para sempre em
livro!
Ó meu Sebastião dos dias 20
de Janeiro,
Ó meu rei de beicinho como um
Cupido
Ó meu país que te comprazes
em rezar deitado
Na ânsia de um rei da morte
ressurgido
Em strip tease às portas do
sacrário!
(D. Sebastião arrasta-se e
vai buscar o elmo; coloca-o na cabeça e
ocupa o lugar do mártir no oratório, as mãos
ao alto, amarradas) |