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MARIA DO SAMEIRO BARROSO
POEMAS DO SILÊNCIO

INDEX

De que fala o silêncio?
Poema com desenhos de António Ramos Rosa
Os violinos e os nomes
Os pomos de Dioniso
As hipérboles da luz
Ciclos eternos
Os anéis da claridade
O corpo e os seus lugares
Os nenúfares de música

As hipérboles da luz

Claudio Arrau tocando a Sonata Waldstein Opus 21

de Beethoven, a primeira germinação, um novo ciclo

― as foices derrubadas na noite plena de luz,

quando desbravava as ânforas e o licor,

e borboletas agilíssimas inscreviam o fogo

e o silêncio, que girava em painéis de bruma.

 

Foi assim também quando comecei a escrever.

A luz germinava.

O cimento e a harmonia ligavam o aroma azul,

a linhagem dos cravos.

Depois escutei a voz do mundo e as águas oleosas

escorreram, acumulando-se numa hipérbole negra.

 

Mas também as águas da manhã nasciam

e a aurora elevava-se por entre a lua e os barcos,

um cais imaginário, lírios extensos, torreões brancos

e, da chuva e do mar, nasciam gotículas

iridescentes, música suavíssima, xilofones de ouro.

 

Deambulava ao acaso e abria livros eternos

como a morte, recolhendo a sua épica celeste

no coração citrino das ervas e dos trevos,

caminhando sobre a luz, a fronte ungida pelas águas,

saboreando a palavra que convoca

a Grécia antiga, os mistérios de Elêusis, a Primavera,

o início das flores,

os cânticos gravados nas árvores, nos segredos

nocturnos, nas hipérboles da luz;

.........................................................o peito imerso

.......................................................................no aroma soberbo das glicínias.

In Mealibra. Revista de Cultura, do Centro Cultural do Alto Minho,
Viana do Castelo, Janeiro. de 2001