Poderia ser relatado o modo de vida do povo baruya da Papua na Nova Guiné – Oceânia no que diz respeito às suas práticas. Seleccionou-se antes um dos seus mitos mais secretos para recontar. Narra a estória do acto sexual imaginário da primeira mulher (1) na criação do mundo:
Kouroumbingac vivia sozinha, sem um homem que a perseguisse na jornada nefasta da vida. Tinha por companhia um cão selvagem, Djoué.
Ao primeiro dia, ela comeu uma quantidade exorbitante de frutos duma árvore gigante e ficou grávida. Ela era gulosa e insaciável no seu desejo.
O dia passou ameno e, pela calada da noite, Djoué não suportou o desaforo de ser substituído. Entrando pelo sexo no ventre da mulher, comeu a cabeça do feto.
Triste por perder a sua filha, Kouroumbingac continuou o seu trajecto de vida sem reflectir, tão absorta estava na amarga sorte. Mas, passado tempo, voltou a prevaricar comendo outros frutos da estranha árvore.
De novo ficou grávida e o seu cão apercebendo-se da segunda ocorrência indesejada voltou a penetrar na sua barriga para se alimentar das pernas e dos braços do feto.
Dessa vez, Kouroumbingac deu à luz um menino morto.
A mesma experiência não acontece três vezes. Kouroumbingac tanto matutou que percebeu o acto malvado ao ver sangue no corpo do companheiro.
No encalço do cão, saltou ramadas e desfez-se em lágrimas para o perseguir, com ganas de o matar. Ela correu pelos montes e vales daquela terra divina. Estafada, nem descansava nem comia frutos.
Djoué encontrou refúgio num buraco bem no fundo do monte. Lá ficou encolhido, quietinho.
Ela deixava de o ver ao longe… Que fazer? Com o passar do tempo, a mulher tornava-se mais atenta e passava a recolher os indícios do rasto do malvado, invariavelmente. Uma pegada aqui, outra ali… Ao fim duma encruzilhada lamacenta, juntou as provas e não teve dúvida: Djoué atirara-se ao lugar onde terminavam as suas marcas.
Chegada ao abismo, Kouroumbingac colocou árvores em cima da cova para lhe bloquear a saída. Abandonava o cão selvagem à morte.
No entanto, o animal era mágico e saiu do fosso na forma de águia, «o Pássaro do Sol».
Esgueirando-se na caverna ficariam os seus ossos e carne que se transformaram nos seres vivos.
A mulher tresloucada lá ia aparentemente tranquila por se ter livrado do bicho.
Na sua atribulada viagem de vida ela voltava a ter fome e a comer sem cuidado da grotesca árvore da vida.
Teve finalmente um filho saudável e não viu mais rasto de Djoué para a atazanar.
Todavia, quando o filho cresceu teve relações sexuais com ela, acto de que nasceriam um rapaz e uma rapariga. O incesto voltou a acontecer, tendo os filhos do primeiro filho-homem crescido e dado origem aos habitantes da Nova Guiné, em particular aos baruya (2).
Na actualidade, o cão persiste junto do povo baruya em espírito e o Sol será o super-pai da tribo que nasceu da árvore masculina, um ser anterior ao homem. No tempo irreal, os baruya tiveram, portanto, uma mãe e dois pais. O Sol-pai completou os embriões humanos e a árvore proibida foi a realidade configurada da força de criação do mundo. O cão, coitado, foi o anti-super-pai. O que Sol-pai fez, o cão desfez em dois tempos.
Então como é que o super-pai Sol conseguiu favorecer as relações sexuais entre os baruya?
As duas lógicas do imaginário dos baruya são a seguir elucidadas: Os primeiros baruya tinham o sexo e o ânus inoperantes e unidos. Ou foi o Sol a lançar uma pedra de sílex ao fogo que, ao estalar, esburacou o pénis do homem, a vagina da mulher e o ânus de ambos. Desde então, a tribo passou a poder copular e a defecar (3).
Em outra versão corrente, entre os habitantes da floresta (4), é a mulher a tomar a iniciativa: foi a mulher a observar, em primeira-mão, que os dois sexos estavam fechados.
Preparou-se, dessa feita, para introduziu num tronco de bananeira um osso afiado da asa de morcego.
O homem, como sempre descuidado, cravou esse osso no pénis e furou-o ao subir à árvore.
Eis senão quando, cego de raiva e de dor, o homem pegou num tronco de bambu deveras cortante e, com um só golpe, rachou o sexo da mulher, abrindo-o.
Com esta perspicaz solução para o problema sexual, o Sol desaparecia da cena misteriosa e tornava-se evidente e necessário (?) sofrer na carne para que os órgãos sexuais existam.
|