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Judite Maria Zamith Cruz |
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PSICOLOGIA DO SONHO E DO MITO - II
Interpretações de sonhos e grandes narrativas espirituais
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INDEX
Introdução
1. Interpretação dos sonhos por Sigmund Freud
2. Interpretação dos sonhos por Carl Jung
2.1. Sonho de primeiro nível – não simbólico
2.2. Sonho de segundo nível – confuso
2.3. Sonho de terceiro nível – simbólico
3. Que sentido podem fazer certos sonhos?
3.1. Antiga visão da exterioridade dos sonhos
4. Grandes narrativas espirituais expressas em sonhos: sentidos de vida
4.1. Exemplares de literatura alegórica do Ocidente
4.2. Mito do povo baruya da Nova Guiné: as aventuras duma mulher primordial «casada» com uma árvore
5. A grande narrativa cristã no mito do pecado original
Discussão final
Referências - Fontes de ilustração |
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5. A grande narrativa cristã no mito do pecado original |
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Anteriormente ao cristianismo, a cultura egípcia e a cultura grega, tal como as culturas indiana, pré-colombiana e celta, tinham já compreendido a sexualidade retratada em mitos (1). A sexualidade não seria para esses povos um fenómeno meramente físico, como aliás se reconhece em outras épocas e condições históricas. O processo de criação, a abundância da terra e a reprodução sexual entenderam-se incorporar energia masculina e energia feminina.
Contemporâneo de Freud, Emile Durkeim (1858-1917) ainda acreditaria que na Pré-História seriam os seres humanos semelhantes, independentemente do sexo (2), confundindo o valor do mito com o facto social na igualdade de género.
Afinal, a sexualidade serve finalidades não sexuais e o homem foi sempre o detentor de poder (de controlo) discricionário ou caprichoso e ilimitado.
A tradição ocidental, apesar de diversa de outras versões do mundo, baseia-se nas antigas culturas judaica e grega. A grande narrativa do Ocidente retoma-se no Paraíso cristão.
Adiante serão expostas versões do Génesis para Adão e Eva.
Foi a maldita serpente, velho símbolo maligno, a prometer que viríamos a distinguir o bem do mal?
Moisés já fizera magia com uma vara (3) que se transformara em serpente, um símbolo fálico comum. De acordo com essa mesma fonte histórica também, no Próximo Oriente, essa serpente fálica ensinava a ter relações sexuais e, na Bíblia, tentou Eva. Em um manuscrito judaico, datado de 1350, a vara transforma-se em cobra e engole as víboras dos magos do faraó, realçada a energia fálica de Jeová - Deus.
Na figura nº 4 relativa ao Pecado Original pintado por Hugo van der Goes (1440-1482), a perturbadora serpente (em parte feminina e em parte réptil) é representada junto da árvore da vida. Essa é a cena alegórica mais marcante no Ocidente cristão. A serpente, Eva e Adão colocam-se mesmo por baixo dessa árvore. Eva encontra-se modestamente coberta por uma simples folha de íris e estende o braço para alcançar uma segunda maçã, depois de já ter mordido uma primeira.
Esta pintura corresponde ao gosto dos Países Baixos (Holanda) no século XV, fazendo transparecer, no entanto, uma visão inovadora do pecado original pelo dramatismo acrescido ao misticismo da época. No final da sua vida, aquele pintor flamengo foi considerado louco e a arte convencional esbateria as suas cores tidas por gritantes, ainda que nelas pudesse ter predominado o azul.
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Figura nº 4 - Hugo van der Goes: «O Pecado Original» (1470). |
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Recorde-se que na Bíblia «O Cântico dos Cânticos» é uma composição lírica que não faz qualquer referência a Jeová (Deus). Esse texto aproxima-se mais do amor indiano de Crisna e Radha (4). Pensa-se que a sua origem se reporta a canções populares e a um diálogo entre dois amantes, observados como iguais, sem que seja colocada uma supremacia masculina.
Até ao ano 100 d. C., o cânon e das Escrituras integrou o Cântico dos Cânticos e debateu-o com interesse. O Sínodo/Concílio Rabínico de Jâmnia tomou-o, entretanto, como uma alegoria da relação de Deus com Israel (5). Na alegoria, chamou-se o casamento entre Deus e o seupovo. Posteriormente, essa obra foi confirmada por judeus e por cristãos e integrada nas Sagradas Escrituras. A sua linguagem erótica foi assumida como uma relação do divino com a humanidade.
É possível que a Bíblia Autorizada Inglesa tenha feito interpretações muito adulteradas dessa produção literária.
Por sua vez, associa-se o Paraíso ao Jardim do Éden. No tríptico de Hieronymus Bosch (1450-1516), o Éden é localizado ao lado de O Jardim das Delícias Terrestres, onde nos são mostrados corpos nus em posições extraordinárias. Manifestariam os horrores, medos e pesadelos de quem se toma por pecador. Supõe-se habitarem outro lugar diverso do Éden – a Terra.
É possível não ter existido a intenção de subversão ou de critica dos tempos medievais. Bosch fez esse quadro apelando antes à luxúria (6) como prova de «desgraça» e colocou-o entre outros dois quadros, embora aos três tenha sido dado o nome genérico de Jardim das Delícias.
Essas outras pinturas denominam-se O Jardim do Paraíso e O Inferno. No conjunto, a obra poderia simplesmente advertir e avisar sobre os antecedentes dos possíveis perigos humanos, em particular, as tentações sexuais. A presença de morangos, por exemplo, aproxima-nos do prazer da carne uma vez que na época «ir apanhar frutos» se conotava com o acto sexual (7).
Retomando o Paraíso, aí existiria a Árvore da Ciência, o local do «bem e do mal», tendo-se enroscado a serpente na árvore: «Eis porque Deus, quando criou o mundo, proibiu ao homem que comesse o fruto da árvore da ciência, como se esta envenenasse a felicidade.» (8) .
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Figura nº 5 - Hieronymus Bosch: «O Jardim das Delícias Terrestres» (1500).
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Na transcrição de Desiderius Erasmo de Roterdão (1467-1536), do seu assombroso livro Elogio da Loucura, coloca-se em causa, mais uma vez, a condição de ter sido proibido o conhecimento e a ousadia de perguntar. O saber destrói o bem-estar subjectivo, ou seja, a condição de ser feliz? Não nos convém questionar? |
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(1) Neil Philip (1999, trad. port. 1999).
(2) AA.VV. (2004, p. 24).
(3) Clifford Bishop (1996, trad. port. 1997, p. 72). Uma sugestão da Cabala é a expressão bíblica seguinte: «Se uma serpente morder qualquer homem, quando ele olhar a serpente de bronze, ele viveu» (n.º 21:9). A expressão foi convertida a partir da interpretação cabalística, através do número 358, ou seja, o equivalente numérico de Messiah. Essa foi a profecia que anunciou a vinda do Messias, salvador daqueles que consigo chegariam à verdade espiritual.
(4) Bishop, ibid, p. 73.
(5) Bishop, ibid, p. 73.
(6) Robert Cumming (1995, trad. port. 1995, p. 24).
(7) Cumming, ibid, p. 25.
(8) Desiderius Erasmo de Roterdão (1509, trad. port. 1973, p. 137). |
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Judite Maria Zamith Cruz é doutorada em Psicologia pela Universidade do Minho, onde lecciona cursos de licenciatura e mestrado dedicados ao estudo do desenvolvimento humano e do auto-conhecimento do profissional de educação, desde 1996, é membro de instituições nacionais e internacionais dedicadas ao estudo e investigação da sobredotação, talento e criatividade e, em 1997, integrou equipa internacional e interdisciplinar, coordenada pela Professora Doutora Ana Luísa Janeira, nos domínios de ciência, tecnologia e sociedade - «Natureza, cultura e memória: Projectos transatlânticos». Colabora, desde 2000, no Instituto de Estudos da Criança, em projectos centrados na educação matemática; depois, na área da língua portuguesa e artes plásticas, como membro do Centro de Investigação «Literacia e Bem-Estar da Criança» (LIBEC) da Universidade do Minho .
Entre Janeiro e Julho de1982 foi professora de psicologia e de pedagogia em Escola de Formação de Professores do Ensino Básico de Torres Novas. De Junho a Setembro de 1982, assumiu o lugar de Assistente Estagiária na Universidade de Lisboa – Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, de que se afastou para desempenhar funções de psicóloga clínica em cooperativa dedicada a crianças e jovens deficientes motores e mentais, em Lisboa – CRINABEL (1982-1985). De 1985 a 1988 foi professora do Ensino Secundário, em Braga, leccionando a disciplina de psicologia na Escola D. Maria II. De novo ocupou funções de psicóloga clínica em associação dedicada à educação de crianças e jovens deficientes auditivos (APECDA-Braga), entre 1988 e 1992. Em 1987, realizou trabalho como psicóloga no Hospital Distrital de Barcelos, de que se afastou em 1990 para efectuar curso de mestrado. Em 1992 ocupou o ligar de Assistente de metodologia de investigação, na Universidade do Minho, em Braga, onde é professora auxiliar.
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