Em uma produção artística, o ecletismo estilístico é a mistura entre dois ou mais estilos ou elementos estilísticos diferentes. Na obra aqui estudada podemos encontrar características românticas e simbolistas.
Embora a companheira de Alexandre, a índia Potira, viva no século XVIII, ela possui as características de uma mulher moderna, pois é uma pessoa determinada, e mesmo apaixonada; não se deixa dominar por Alexandre – muito ao contraio, é ela quem o domina – e não tem medo das ameaças de seu irmão, o valente Naêpepô-oaçu. Entretanto, em certos momentos da narrativa o autor descreve sua beleza de maneira romântica como nos trechos “Tem os pés tão delicados que pode andar na areia sem se denunciar; tem o corpo tão leve como a brisa sutil que resvala por entre a ramagem sem murmurejar” (SENA, 2003: 30.) e ainda “A tez da rapariga – finíssima, macia e lustrosa – é como a relva ao cair da tarde, eriçada pela brisa cálida que percorre os campos” (SENA, 2003: 48.), lembrando a descrição que José de Alencar faz da índia Iracema.
O simbolismo pode ser encontrado nos sonhos de Alexandre, que é o local de fuga do personagem e onde ocorre a discussão filosófica entre a vida e o após morte. É nos sonhos que o personagem afasta-se da realidade e vive um mundo de imaginação e fantasia e irá questionar sua vida e seu lado espiritual. Esses sonhos são marcados pelo uso de uma linguagem metafórica, uma das características do simbolismo. Em uma dessas passagens metafóricas o autor leva o leitor a refletir o quanto o medo nos cega e nos impede de enxergar a realidade que nos cerca.
Tenho medo. “Xande, não temas, pois vou te transformar num passarinho”, torna a dizer Potira. “De que modo?”, pergunto. “Não sei explicar, só sei que deves primeiro perder o medo”, responde ela. “Mas como perder o medo?”, pergunto. “Eu vou te ensinar. Fecha os olhos!”, ordena. “Para quê, se já não enxergamos nada aqui dentro?”, pergunto, sem entender-lhe o propósito. “Não discute! Fecha os olhos!”. Eu obedeço. E continuamos descendo. Ou subindo? Apenas sinto que estamos muito longe, mas não sei definir quanto, pois as distâncias já não se medem em quilômetros. As palavras de Nhaêpepô-oaçu cessaram de repercutir. Eu e Potira vagamos no nada. Ou no tudo? “O que estás sentindo?”, pergunta ela. “Uma grande paz”, digo-lhe. “Quando eu mandar tu abrires teus olhos sentirás medo”, adverte. “Por que, se é o escuro que tememos?”, pergunto. “Porque estávamos num mundo invertido; lá, pra onde vamos, tem sol, mas enxerga-se melhor sob o luar, o dia cega, vive-se no silêncio. É bom o silêncio, não é?”. “Sim”, respondo-lhe em pensamento.
“Pronto, chegamos; abre teus olhos!”, ordena Potira. Eu obedeço. “O que sentes?”, pergunta. “Medo, muito medo”, digo. “Muito medo é ruim, transforma o homem em coisa, mas um pouco de medo é bom, previne-o de troço ruim”, diz Potira. (1)
O autor mostra que o que nos cega é a realidade, é ela que faz com que temamos o desconhecido. Potira ordena a Alexandre que feche os olhos para transformá-lo em um pássaro. Enquanto se encontra de olhos fechados ele sente uma grande paz; contudo, ao abri-los, sente medo por estar em um mundo novo. Esse medo ocorre porque, ao encarar o novo, Alexandre depara-se com uma realidade com a qual não estava acostumado, ou seja, depara-se com o desconhecido. Essa densidade psicológica é uma característica que já vem acontecendo desde o Modernismo. Nicodemos emprega em seu texto certas características pertencentes a uma das principais correntes da ficção modernista, a corrente subjetivista e introspectiva ou psicológica, como conceituado por Afrânio Coutinho no livro Introdução à Literatura no Brasil.
Denotando acentuada impregnação esteticista, herança evidente do Simbolismo e Impressionismo, desenvolve-se a tendência na direção da indagação interior, em torno dos problemas da alma, do destino da consciência, em que a personalidade humana é colocada em face de si mesma ou analisada nas suas reações aos outros homens. (...) Outra variante desse grupo valoriza os produtos do sonho e da fantasia, criando uma atmosfera sem densidade real, mas de forte conteúdo emotivo e usando uma linguagem metafórica. (2)
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