A rua é íngreme, antiga, quase secular, resto de gentes que teimam em resistir nos escombros das paredes, nas pedras que rolam lentamente.
Paramos em frente à casa. Um cãozito amarelo aparece saltando a esquina que leva ao cemitério, onde o dono repousa aumentando o silêncio dos plátanos.
Silêncio quebrado pelo relógio da torre, numas onze horas de aldeia perdida no interior.
Numa casa ao lado, a velhota desce o balcão e fecha apressada o portal de madeira. Receios de quem vive só.
Abrimos o portão de um azul baço, queimado por geadas e calores, de chaves antigas, que só cabem em aventais de lavoura e se penduram no prego logo atrás do muro.
Encostadas ao muro, flores de Pascoa e couves-galegas lembram sentinelas onde as abelhas sobrepõem o canto dos pássaros.
No pátio, a reprodução fiel do dia da partida. A casota do cão com palha fresca, o cadeado estendido, a bacia da água ainda cheia.
Lenha enfeixada, restos de pinheiro ardido em outros verões, atafulham-se no alpendre.
Uma vassoura movimenta-se no varão da escada.
Nos bancos, debaixo da parreira, um cheiro a ausência que nos faz morder os olhos e em cima, na varanda, os chorões dobram-se em lágrimas tocando o pavimento de terra batida.
Atrás, a porta da loja, aquela divisão onde tudo se guarda, longe dos olhos dos outros, onde sempre podemos ser nós, desmaquilhados, verdadeiros.
Odores a vinho, bolor, troféus de antigas caçadas, misturam-se com cheiro a cebolas, fruta podre e máquinas de lavar. Na parede, à entrada, sobre um velho móvel, um espelho rachado, ainda baço, reflecte a poeira trazida do fundo da janela. Pressente-se em tudo uma fuga apressada, sem tempo de pendurar a samarra no armário, de recolher o milho no sequeiro, como se o monte tivesse sido invadido por sirenes de guerra, anunciando a explosão de uma bomba qualquer.
Dói esta moldura cinzenta dos penhascos.
Dói esta falta das almas que partiram.
Umas repousam em paz.
Outras voltarão em Agosto, se Deus assim o quiser.