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O Poder e a Verdade
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No discurso religioso em geral e nas teologias em particular devemos reconhecer um poder, em exercício, gerador das formulações da verdade religiosa e inversamente um trabalho de verdade suscitando a determinação ou legitimando um poder endógeno. Este fenómeno não escapa ao observador. Como dizia Jouvenel “O poder não se pode exercer muito tempo sem que um certo discurso assegure a sua legitimidade Assim a força do poder não reside antes de mais no seu exercício mas na elaboração constante da ideologia que o autoriza e a sua verdadeira vitória não está na derrota daqueles que ele submete mas na produção incessante de imagens de comportamento.” O Poder é antes de mais o poder da produção e reprodução da ideologia que lhe dá a fonte da legitimidade. O censor tem de se fazer amar como diria Legendre Balandier fixou num texto célebre o que devemos entender pela produção da verdade.
Por outro lado qualquer discurso religioso acaba por produzir a reorganização sistemática do espaço, por fazer a determinação dos lugares sagrados, a determinação do tempo pela simbolização da história. No sentido forte do termo o discurso religioso é um discurso de significado e de verdade. Tal como a escrita da história, o discurso religioso e segundo Michel de Certeau é uma produção do lugar e uma produção do tempo. Em nome de uma verdade, na qual se origina, marca a fronteira precisa entre um aqui e um ali, um antes e um depois. Basta recordar as guerras á volta da data de Páscoa ou as divisões cristãs ou as islâmicas por causa de um calendário. Quanto ao lugar basta recordar as guerras pela posse ou o domínio dos lugares sagrados. Que seja Jerusalem ou Dahida no norte da Índia. Através dos seus múltiplos processos de inclusão e de exclusão, por causa da própria lógica do mesmo e do outro, pela sua propensão a invadir a totalidade do campo dos significados, o discurso religioso determina também as práticas sociais ao mesmo tempo que estas também o determinam. Instituições diversas, cultos e ritos, consagram um ethos, isto é uma maneira de habitar o mundo e a história, e dá origem a um imaginário que se infiltra nas profundidades da consciência social. Para ele como para todo o discurso a noção de poder designa antes de mais os efeitos desse discurso no interior de um determinado tecido de relações sociais. Ora antes de determinarem comportamentos esses efeitos são antes de mais simbólicos, veiculados por uma verdade que ao mesmo tempo é suportada por esses efeitos. Pecado e graça, bem e mal, puro e impuro, válido e não válido, lícito e ilícito, afectam doravante toda a realidade assim como qualquer outra situação fundamental da existência, traçando até aos mais pequenos detalhes os limites do permitido e do proibido. Yves Ledure também chamou a atenção em Conscience religieuese et pouvoir politique, para o modo como o cristianismo em muitas épocas da sua história também soube domesticar o poder secular para os seus fins e lembra a observação astuta de Machiavel que continua a ser lida e aproveitada por algumas forças políticas mesmo no mundo contemporâneo Machiavel recomendava “conservar em toda a sua pureza a religião e as suas cerimónias e de manter o respeito devido á santidade já que não se conhece nenhum sinal mais garantido da ruína de um Estado do que o desprezo do cultodivino” . Por esta e outras razões o historiador Delumeau reconhecia, há anos, que: “a cristandade de outrora foi muitas vezes uma traição do cristianismo”. ) Na época moderna as Luzes, a Revolução Francesa, e a critica marxista entre outos, deram mostras de querer arrumar o cristianismo como qualquer coisa que não passava de um discurso de legitimação poder. Mas as ideologias modernas do Estado que se quiseram revestir do aparato religioso ou quase religioso como diria Paul Tillich também mostraram os seus limites. E hoje neste confronto entre ideologias e crenças encontramo-nos como que num jogo de soma nula. A questão que esta passagem pelo confronto com as ciências humanas levanta é a de saber se provocada pela própria história, a religião cristã terá a coragem de renunciar a possuir a verdade que todos os poderes querem dominar? Não será que o cristianismo deveria aceitar que a irrupção da Palavra de Deus vem no seu seio romper para sempre o mecanismo fatal do discurso religioso. Terá o cristianismo o gosto e a paixão de ser no meio das nações o sinal vivo de uma outra palavra? Numa tentativa de resposta a estas questões consideremos o trabalho de desconstrução que a teologia cristã e ecuménica aceitou percorrer nos últimos 50 anos criando assim condições para uma outra afirmação da verdade da fé cristã. |
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