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BOLETIM DO NCH
Nº 14, 2005

NO CINQUENTENÁRIO DO NÚCLEO CULTURAL DA HORTA
Jorge Costa Pereira

INDEX

I - A IDEIA DE UM NÚCLEO DE CULTURA NO FAIAL

1. O NÚCLEO CULTURAL MANUEL DE ARRIAGA

II - A FUNDAÇÃO DO NÚCLEO CULTURAL DA HORTA

1. ESTATUTOS E OBJECTO

2. DIRECÇÕES

3. O BOLETIM DO NCH

4. INSTALAÇÕES

III – AS VICISSITUDES DO PRESENTE

IV – OS DESAFIOS DO FUTURO

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Anexos

I - A IDEIA DE UM NÚCLEO DE CULTURA NO FAIAL
1. O NÚCLEO CULTURAL MANUEL DE ARRIAGA

A ideia de criar na ilha do Faial um organismo que «promovesse uma maior democratização da cultura geral, sobretudo literária» remonta a 1939. Foi um dos seus impulsionadores, Silva Peixoto, que, assumindo a sua paternidade, confirma que, quando chegou à Horta, em 1939, constituiu uma das suas primeiras preocupações a fundação de um organismo «que promovesse uma maior democratização da cultura geral, sobretudo literária. Os grandes escritores contemporâneos eram inteiramente desconhecidos na Ilha do Faial, tanto os nacionais como os estrangeiros. Ninguém falava em Fernando Pessoa, José Régio, Gaspar Simões. Desconhecia-se uma revista como a Presença de Coimbra, ou a Momento de Lisboa. A ignorância dos autores estrangeiros era ainda maior. Em matéria literária tínhamos um atraso de meio século.» Por isso, concluía, tornava-se imperiosa a criação de «um Núcleo de cultura» (PEIXOTO, 1955).

No mesmo sentido se pronunciou Marcelino Lima, nome proeminente da intelectualidade faialense. Numa palestra realizada na Sociedade Amor da Pátria, em Novembro de 1939, aquele autor referia-se «à decadência intelectual que encontra na Horta, outrora tão rica de talentos privilegiados» e que, por isso, urgia «ir ao encontro deste mal, travar o mais sublime dos combates que é o levantamento e o progresso espiritual do nosso povo [...]. Precisamos formar uma elite intelectual a quem se possa entregar os destinos do nosso distrito [...]» (PEIXOTO, 1939). Tal seria a «necessidade imperiosa» que um «Núcleo de Cultura» viria colmatar.

A Comissão Organizadora que preparou a sua constituição era formada por Silva Peixoto, Júlio Andrade e Amílcar Goulart. Juntaram-se-lhes, como sócios fundadores, Marcelino Lima, Osório Goulart e Santos Silveira, entre outros.

A 1 de Dezembro de 1939, foi formalmente constituído o Núcleo Cultural Manuel de Arriaga, com sede na Horta, tomando assim por patrono «um dos mais distintos Filhos da Ilha do Faial, e que tanto se tinha preocupado com a cultura popular» (PEIXOTO, 1955).

O acto inaugural aconteceu nas salas da Sociedade Literária Artista Faialense e presidiu à mesa da sessão José Osório Goulart «que dava a sua direita à também ilustre poetisa da nossa Terra, D. Ana Adelina da Costa Nunes, e a sua esquerda ao Sr. Amílcar Goulart, notável dramaturgo [...]» (Correio da Horta, 5.12.1939).

O artigo primeiro dos Estatutos referia que «é fundado na Horta um organismo de propaganda literária e artística e de cultura popular, cujos fins são o desenvolvimento das Artes e da Literatura, fazendo a propaganda dos escritores portugueses e das suas obras e alargando os conhecimentos gerais, não só dos seus associados como principalmente do meio em que exerce a sua acção» (Correio da Horta, 5.12.1939).

Era missão do Núcleo Cultural Manuel de Arriaga «[...] ser não só um órgão de difusão da cultura como ainda um elemento orientador em matéria literária e artística. Destina-se também a ser um elemento de unidade e coesão, empregando todas as suas actividades num só corpo destinado a servir a cultura do povo e o progresso intelectual do meio em que age» (Correio da Horta, 5.12.1939).

Disponibilizando-se para, na medida das suas possibilidades, procurar estender a sua acção às restantes ilhas do ex-Distrito da Horta (Pico, Flores e Corvo), o Núcleo Cultural Manuel de Arriaga consagrava estatutariamente o uso dos seguintes meios: a) a palestra e a conferência, para cuja realização «convidará os seus sócios ou pessoas estranhas a ele» (Correio da Horta, 5.12.1939); b) o teatro, devendo, neste âmbito, manter «um grupo dramático que fará representar peças tanto nacionais como estrangeiras, comprometendo-se a apresentar anualmente um original assinado por um escritor de qualquer das quatro ilhas do Distrito» (Correio da Horta, 5.12.1939); c) a imprensa, prevendo-se «a fundação de um jornal, e no caso de não ser possível a realização deste objectivo, o Núcleo, mediante prévia combinação com qualquer periódico local, poderá organizar uma página exclusivamente destinada à sua propaganda» (Correio da Horta, 5.12.1939); d) a música, onde o Núcleo procurará colaborar na «constituição duma orquestra sinfónica do nosso meio» (Correio da Horta, 5.12.1939).

Integravam ainda os Estatutos, alguns capítulos relativos aos sócios, à Direcção, à Sede e terminavam com as habituais disposições transitórias.

Nessa sessão de 1 de Dezembro, foi eleito por aclamação, para primeiro Presidente do Núcleo Cultural Manuel de Arriaga, o «patriarca das Letras Açoreanas, poeta e orador Osório Goulart» (PEIXOTO, 1955). No final da reunião, foi comunicada a recepção de duas cartas: uma de José Machado Serpa, «apoiando tão sublime missão», e outra no mesmo sentido do Presidente da Junta Geral, José da Silva Ribeiro Peixinho.

Em 1955, dezasseis anos depois, Silva Peixoto, em artigo publicado no jornal Correio da Horta, fazia, como um dos fundadores do Núcleo Cultural Manuel de Arriaga, o balanço crítico da actividade daquele organismo. No domínio das conferências, referia ele, «o Núcleo organizou um sarau músico-literário para comemorar o centenário do nascimento de Júlio Dinis, único a realizar-se no Arquipélago dos Açores. O segundo serão, efectuado, como o primeiro, no Grémio Literário, desandou em cenas de pugilato por virtude de uns oficiais de marinha, que, embriagados, começaram a invectivar os conferentes e as próprias pessoas presentes. E foi o último» (PEIXOTO, 1955).

No teatro, «o Núcleo não chegou a fazer nada, embora aí tivéssemos grandes esperanças. Eu próprio comprara em Lisboa a cópia dactilografada de uma peça célebre que pensava fazer a estreia do grupo cénico do Núcleo. Mas nasceram dificuldades de montagem e o projecto foi posto de parte [...]» (PEIXOTO, 1955).

Quanto à imprensa, o Núcleo «sem meios materiais, teve que aceitar as duas páginas semanais que lhe ofereceram os dois diários da Horta» (PEIXOTO, 1955).

Com efeito, a partir de 11 de Janeiro de 1940, no jornal Correio da Horta, e 12 de Janeiro, no jornal O Telégrafo, semanalmente, o Núcleo Cultural Manuel de Arriaga publicou uma página da sua responsabilidade, cuja periodicidade se manteve regular no Correio da Horta até Junho. A partir de Julho, ela foi publicada mais esparsamente e terminou a 11 de Setembro de 1940, com o número 25. N’O Telégrafo, a periodicidade manteve-se regular até Julho, tornando-se, a partir daí, irregular e terminando também a 19 de Setembro, com o número 24.

Ao longo destes nove meses, colaboraram na página publicada no Correio da Horta, Osório Goulart, Amílcar Goulart, Silva Peixoto, Helena Graça Rodrigues, Agnelo Casimiro, Manuel Faria de Melo, José dos Santos Silveira, Júlio Andrade, Raul Tânger Corrêa, António Baptista, Fernando de Aguiar e António Cunha Corrêa Jr..

Na página d’O Telégrafo escreveram Silva Peixoto, Ana Adelina B. da Costa Nunes, José dos Santos Silveira, Machado Serpa, Júlio Andrade, Manuel Tânger Corrêa, José Benarús e António Cunha Corrêa Jr..

Como reconhecia Silva Peixoto, no referido artigo, as páginas do Núcleo Cultural Manuel de Arriaga mantiveram-se até à «data em que verifiquei que estava sozinho a preenchê-las.» (PEIXOTO, 1955).

Menos de um ano depois de criado, o Núcleo Cultural Manuel de Arriaga extinguiu-se, numa vida efémera, soçobrando «sem amparo moral nem material» (PEIXOTO, 1955).

Criado antes dos seus congéneres da Terceira (1942) e de S. Miguel (1943), o Núcleo Cultural Manuel de Arriaga foi pioneiro no seu tempo, antecipando uma solução e um caminho de intervenção na área da cultura e da divulgação literária. O advento da Segunda Guerra Mundial com os condicionalismos próprios e as acrescidas dificuldades, o pioneirismo do Núcleo, a sua criação fora da alçada dos meios ligados ao poder de então, o idealismo dos seus objectivos e o seu desfasamento da realidade («o único meio de receita é constituído pelos espectáculos realizados pelo grupo cénico do Núcleo pois que os sócios de qualquer categoria estão isentos do pagamento de cota», refere o Correio da Horta de 5.12.1939), conduziram à duração efémera e ao rápido fim do Núcleo Cultural Manuel de Arriaga.

A sua semente iria, todavia, germinar, noutro contexto e com outra envolvência, em 1955, com a criação do Núcleo Cultural da Horta, simbolicamente sob a presidência da mesma pessoa: José Osório Goulart.

Jorge Costa Pereira – Núcleo Cultural da Horta - Apartado 179 - 9900 Horta