A vertente social e retratista da escrita de Pedro da Silveira está patente na exploração do tema da fome: fome do longe, de outros portos, de outras distâncias e de outras lutas; é, enfim, a fome “de pão” que nos dizeres do poeta motiva o êxodo da «terra firme» e a fuga para o “Oceano”. A saga (a fome) dos marinheiros e emigrantes é visível no desenvolvimento das cidades (“San Francisco”, por exemplo) e nas transformações das metrópoles estrangeiras (os caminhos-de-ferro). Foram ainda os emigrantes ilhéus que atraíram outros povos, que tornaram «a terra brava um paraíso» e, enquanto pioneiros, operaram a mudança por toda a parte. Contudo (e notemos aqui a “função interventiva” da escrita de Pedro da Silveira aludida por B ettencourt (2004), apesar do esforço, a terra que os recebeu não os tratou como seus filhos e o mar da ilha que os impedia de sair é o mesmo que lhes dificulta o acesso ao mundo prometido. Os marinheiros tornam-se, como tal, figuras errantes: “A essa terra que não era a tua/ deste o vigor dos teus braços,/ deste o teu suor/ e o teu engenho. (…)// Agora, fechados os portos à tua entrada,/ já o mar não é caminho aberto de emigrantes,/ o mar não é mais a estrada livre das barcas/ de clandestinos…// O mar…/ (você o disse, Jorge Barbosa)/ é hoje a nossa prisão sem grades” ( S ilveira , 1952: 53).
Parece óbvio que tanto Pedro da Silveira como Roberto de Mesquita partilham de uma ilha do marasmo. A ilha dos Nomes e dos Numes inscreve-se no imaginário do primeiro, à sua ânsia de perpetuar nas águas e no sangue a marca e os sinais dos que antecederam o poeta e que ainda habitam a casa ilhoa.
Para Pedro da Silveira a ilha é o espaço verde errabundo, volante, dominado pelo tempo da demora, pendular, tempo esse feito de silêncio e privações – “Range o tempo avançando/ ao balanço do pêndulo./ Fita-me, escarnenta,/ a sua rosa de bronze” ( S ilveira , 1962: 32). A busca do berço, o regresso ao “ruído surdo das ribeiras caindo pelas/ rochas abaixo”, a “freguesia” de nascimento, os “campos de milho”, o “azul das hortênsias” e o “caminho habitual da beira-mar” condensam a dispersão e a restituição à água do poeta que, agora, volta para reassumir, com desafectação, a unidade de si e das “nove ilhas”: “Com um molho de lenha à cabeça, uma rapariga passa/ e olha-me com a naturalidade de quem sabe que voltei./ Um menino conduz as vacas para o pasto/ e, como sempre, os velhos estão sentados na praça// Por caminhos de terra e mar,/ parto e, logo, chego. Estou/ nas cidades e nas vilas,/ em todos os lugares de cada uma das nove ilhas.” ( S ilveira , 1952: 58). A partida da ilha é encarada como um momento de breve fuga porque o essencial é viver eternamente na ilha, alongando os olhos. Tudo neste espaço é, paradoxalmente, lonjura e limite – “Uma nuvem galopa a estibordo./ Perto./ Inalcançável” ( S ilveira , 1962: 34). Portanto, na ilha, o tempo passa, mas tudo permanece, incutindo no poeta a dúvida da passagem dos dias e dos anos: “Bravia sombra no mar bravo/ a rocha é negra e negra:/ como a ave do seu nome,/ é negra/– e breve.// Foi há dez anos? ou há três?/ Há quanto tempo aqui não vinha!” ( S ilveira , 1962: 35). |
Palavras-chave : ilha, isolamento, emigração, tempo e memória, poesia açoriana, raízes, realismo. Key-words : island, isolation, emigration, time and memory, Azorean poetry, roots, realism.
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