... Ela se move lenta pelo papel, a movediça.
É branca lesma lenta peste mole carcomida não se sabe origem.
Ou destino ou ventre. A carcomida passeia raros livros dispostos no aqui e ali da biblioteca labiríntica na lida feita para dias de inverno.
Não. Um fantasma nunca é senão o rastro de uma traça presa aos olhos de memorar. Olhos impertinentes. Disposta está a seu lento caminhar pela folha branca, pelos caracteres dispersos de memorar. Não. Eternidade. Um absoluto estrago na memória.
Seria a traça um traço um rastro no papel doença vegetal psicótica de devorar livros e livros (no guarda-pó da cozinha o que se guarda SÃO livros de receita).
Os livros ultrapassam minha escola do tempo que quando menino arranhava folhas um lobisomem um homem com óculos os aros e a ponta do nariz é tudo o que vejo
Divido em dois o momento de sua eternidade. Arrisco um tapa na folha amarela e ela se prega, a insolente.
Branca e mole, desfeita, a mórbida traça sobre o desenho das palavras uma larva. Só mais um traço de sua fétida necessidade de devorar. Livros, livros, histórias avessas, contos de réis para a antiguidade.
Fosse feito um tridente, Caronte a atravessaria para a outra margem de lá sem piedade... Ela, outra, rasura a folha, lânguida e inquieta, perfura rápida, prolifera.
Eu estanco a origem. Medito moribundo sobre as folhas. Nem um traço das traças viróticas se move no lento contemplar.
No apanágio da folha em branco, por um triz, o resgate a tempo e mais adiante a máquina de escrever aposentada que do papel emana um nada. A máquina de dizer. Agora que sou tecnocrata, larápio, facínora, rujo, solto os dragões do paraíso eu, o digital, preso outra vez pela virose da minha tecnológica avançada máquina de dizer. Nada corrói a pálpebra de luz da máquina tecnológica em sua dura materialidade de porvir. A provedora tec-tec-tec dos teclados aloja valores numéricos numa analogia a cento por cento na assertiva: erro. Um traço, apenas mais um passo e a traça e sua morte me comoveriam até lágrimas até a base de casca de crocodilo da pobre alma vendida ao paraíso. Um epitáfio: DE CELULOSE MORTA, AQUI JAZ A PREDARORA, A REVOLTOSA. Lá longe vibra um caracol enrodilhado por dura casca. Uma centopéia nunca se resigna ao seu destino. Uma lagarta é sempre anúncio de borboleta. Um cão é osso duro de roer. Eu, o cão andaluz, COMO UM FURA-BOLO IMPERTINENTE, devorando traças no papel.
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Denise Sampaio Ferraz. Olímpia (São Paulo, Brasil), 1963. Graduada em Comunicação Social (Jornalismo). Mestre em Teoria da Literatura pela UNESP de São José do Rio Preto (S.P). Prepara tese de doutoramento em Teoria da Literatura pela mesma Universidade sobre Clarice Lispector. |