CUNHA DE LEIRADELLA:
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Ficha técnica AÇÃO
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Vaneide - Mancha... |
Vaneide - Mancha... Picuinha - Essa tal de mata-tudo, que o pessoal dos hospital diz que não é mancha, diz que é AIDS. Mas tirando a mufunfa e a boca cheia de formiga, no fundo, no fundo, o resto é chatura mesmo. E da brava. Às vezes, até que bate na porta um político que diz que faz e que acontece, que, se for eleito, bota até agência de banco na favela, ou pinta um delegado pendurado nas propina e precisa limpar o pau do galinheiro, mas o pão nosso de cada dia, mesmo, é feijão com arroz no almoço e na janta, e olhe lá. Porrinhação, moça, porrinhação todo mundo tem. (Aponta Haroldo.) O doutor ali não aporrinha lá no banco? A gente é igual, moça. (A Olga) Dona, a senhora nem magina o trabalho que deu prá gente saber o nome ali do doutor, arrumar estas fardas e tudo mais. E pra quê? Me diga. Pra quê? Olga - É. A vida tá ruim pra todos. Vaneide - Mas dá pra se virar, não dá, não? Quer dizer, umas pelas outras... Picuinha - É. Umas pelas outras, até que dá. Mas dá, assim, entra e sai na mesma hora. Só de armazém, a patroa gasta os olhos da cara. E, isto, sem falar no aluguel do barraco, na escola dos meninos... Vaneide - Mas não tem essa de embalos, altos brilhos, picos, fumacê, essas coisas, não? Picuinha - Moça, puxar um fuminho, quem não puxa, né? Vaneide - Isso é. E até que tem hora... Haroldo - Vaneide! Elza - Minha filha! Olga - Deixa a menina... Haroldo - A sen... Elza - Ma... Picuinha (A ambos) - Pera! Pera! Agora, a vez é dela (A Vaneide), né, não? Vaneide - Vai, vó! Olga (Ao mesmo tempo, continuando)- ...ou nunca viu esse deputado aí (A Picuinha.) como é mesmo o nome dele, hem? Picuinha - Ah, dona, de deputado eu não entendo, não. Nem quero entender. Olga (Ao mesmo tempo) - Aquele que anda de calcinha de renda na praia, Deus que me perdoe. Picuinha - Sei, não, dona. De calcinha eu só entendo... Olga (Ao mesmo tempo) - Depois eu lembro. (A Haroldo e a Elza) Ele não diz que maconha cura tudo, não? Então, deixa a menina que ela sabe muito bem o que faz, viu? Vaneide - Chega, vó. (A Picuinha) Mas quer dizer que... Elza começa se mexendo na cadeira, olhando a porta do quarto. Haroldo observa-a. Picuinha - Olha, moça, fuminho, às vezes craquinho, isso até que tem. Agora, embalos, altos brilhos, picos, essas coisas, só bacana mesmo. Só bacana é que tem grana pra isso. Pé-de-chinelo vai é do que der e, se come, come é uma ou outra neguinha solta no morro e olhe lá. Não é que nem bacana, que diz que importa essas tal de virgem sili sei lá o quê lá da Bolívia e camisinha paraguaia, tá entendendo? Agora, família que nem esta, briga, xingação, porrinhação, cada um fodendo cada um, isso é tudo igual. Igual, igual. Só não é preto no branco, porque nós grita na rua mesmo e vocês tranca o grito na porta ou paga esses tal de doutor que aluga os ouvidos, entendeu? Elza, de repente, levanta-se. Haroldo levanta-se também e força-a a sentar-se. Haroldo - Não! Elza (Debatendo-se) - Me larga! Picuinha - Doutor! Haroldo - Não vai, não! Elza (Soltando-se) - Vou, sim! Vaneide - Pô, mamãe, que bicho mordeu a senhora, hem? Elza - Eu quero... Haroldo (Segurando Elza e tapando-lhe a boca) - Não quer, não! Picuinha - Porra, doutor, quê que é isso? Cadê a educação, merda? Elza solta-se e levanta-se. Haroldo força- a sentar-se. Haroldo - Porra, Elza! Vaneide - Papai, quê que é isso! Olga (Levantando-se e avançando para Haroldo) - Desgraçado! (Dá uma bofetada em Haroldo.) Larga minha filha, desgraçado! Haroldo (Atracando-se com Olga) - Cala a boca, sua velha! Megera! Olga (Gritando) - Socorro! Assassino! A porta da cozinha abre e Firula entra, correndo, ainda puxando as calças na cintura. Firula - Quê que foi, Picu? Pintou a cana, pô? Picuinha - Que cana, que merda? Não tá vendo o doutor ali, não? Firula - Doidou? (Firula acena com a cabeça.) Dá uma porrada e pronto. Picuinha avança para Haroldo, que larga Olga. Olga (Recompondo-se) - Estuprador! Elza (A Vaneide) - Eu não agüento mais. Haroldo - Agüenta! Agüenta, sim! Vaneide (Ao mesmo tempo) - Mas quê que foi, mamãe? Elza - Eu quero... Haroldo (Avançando para Elza) - Não quer, não! Não quer, não! Picuinha - Mas que merda! (A Firula.) Firu, segura a porra do home. Firula agarra Haroldo pelo pescoço. Haroldo (Debatendo-se e gritando) - Não quer, não! Não quer, não! Picuinha - Porra, Firu, segura bem! Firula - Xacomigo! (Aperta o pescoço de Haroldo até ele mal poder respirar.) Tá bem assim? (Haroldo debate-se com fúria.) Tá bem assim, merda? Picuinha - Tá. Mas segura! Firula - Xacomigo! Vaneide - Quê que a senhora quer, hem, mamãe? Elza - Eu quero ir no banheiro! Haroldo debate-se com tanta força, que quase se solta. Haroldo - Não quer, não! Não quer, não! Picuinha - Porra, Firu! Tu é home ou quê, merda? Firula aperta o pescoço de Haroldo, que fica sem ar. Firula (A Picuinha) - Té vendo? Eu sou mais eu! Olga (Tentando bater em Haroldo) - Sádico! Cafajeste! Picuinha (Afastando Olga) - Pô, dona, assim, também já é demais. Elza corre e entra no quarto. Picuinha (Correndo atrás de Elza) - Güenta aí, Firu! Segura o home! Haroldo debate-se, mas Firula imobiliza-o. Olga (A Haroldo) - Homem desnaturado! Vaneide - Pô, papai, parece até píssico! Haroldo debate-se com fúria. Firula - Pô, doutor, olha que eu te dou uma porrada! Olga (A Haroldo) - Criminoso! (A Firula.) Dá, sim! Dá mesmo! Firula (A Haroldo) - Tá vendo? Depois, não se queixa, não! |