Abre-se aqui claramente uma nova perspectiva, talvez mesmo um novo paradigma, sobre os dois temas deste ensaio intimamente relacionados, ética e identidade pessoal, paradigma que se deverá basear sobretudo numa grande fidelidade à experiência humana no seu fundamental e complexo carácter relacional. Neste paradigma convergem dados das Ciências Cognitivas mas também de outras áreas do saber baseadas em outras metodologias mais próprias da filosofia e da religião, igualmente numa perspectiva relacional. As ciências cognitivas devem por isso mesmo renunciar ao monopólio do conhecimento do self, da ética e da relação self-ética, e abrir-se à convergência com outras metodologias. Não se trata aqui da elaboração de uma qualquer forma de ecletismo indefinido mas, pelo contrário, de explorar uma imagem da pessoa e das relações interpessoais que seja menos deformada por preconceitos ideológicos (Lewontin: 1998), venham eles de onde vierem, e mais fiel ao que há de radicalmente real e verdadeiro no ser humano.
Esta nova concepção de identidade pessoal tem imediatas consequências, por exemplo ao nível das questões bioéticas, um tema que mereceria um maior desenvolvimento. Bastará aqui sublinhar que a mudança de uma perspectiva que considera a identidade pessoal simplesmente na linha de um certo substancialismo neurobiológico, individualista e autonómico para uma perspectiva fundamentalmente relacional amplia o debate sobre questões como o aborto e a eutanásia, por exemplo, alargando-o de meras considerações psicobiológicas, como a integridade neurobiológica do ser humano ou a sua autoconsciência (a perspectiva de Paul Churchland), para um contexto muito mais vasto, em que a identidade pessoal é constitutivamente dependente do carácter radicalmente relacional do ser humano em qualquer momento da sua história, qualquer que seja a sua situação neurobiológica ou psicológica. Nesta perspectiva, a abordagem dos problemas éticos em geral, e bioéticos em particular, nomeadamente ao nível das decisões, aparece claramente mais complexa do que a que é habitualmente considerada quer pelas tradições aristotélico-tomista e kantiana, quer pelas ciências naturais em geral e pelas ciências cognitivas em particular. |