|
MAJOR MIGUEL GARCIA |
A GEOPOLÍTICA DA SIDA |
INDEX |
Introdução |
3. SIDA e Segurança |
Actualmente considera-se a SIDA uma “ameaça menor”, como ameaça não tradicional à segurança, embora se apresentem difíceis problemas quando procuramos precisar o que compreende este fenómeno. É fácil observar que a SIDA não é uma ameaça na concepção clássica, estruturalmente identificável num produto duma capacidade por uma intenção. Por outro lado, também não parece possível entendê-la como um risco, que durante longas décadas se opôs ao conceito de ameaça, entendido como acção não directamente intencional e eventualmente sem carácter intrinsecamente hostil (1). De facto, fomo-nos consciencializando de que estamos perante algumas manifestações com implicações tão sérias que podem ser classificadas como ameaças não militares à segurança. O assunto, que ganhou grande relevância na literatura especializada, desenvolve temas de que se destacam o terrorismo, o crime organizado, a proliferação de armas de destruição maciça e finalmente as epidemias como a SIDA. Do ponto de vista político, a SIDA como ameaça não tradicional à segurança deve muito ao empenho da Administração Clinton. A viagem do embaixador americano nas Nações Unidas, Richard Holbrooke, à África do Sul em Dezembro de 1999 foi determinante para esta mudança. Pouco depois, o vice-presidente Al Gore apresenta ao Conselho de Segurança, a 10 de Janeiro de 2000 (2), os fundamentos do novo posicionamento norte-americano (3): 1. O Coração da Segurança é a protecção de vidas; 2.Quando uma simples doença ameaça tudo, desde a economia às operações de manutenção de paz, enfrentamos claramente uma ameaça à segurança a um nível global; 3. É uma crise de segurança porque ameaça não só e apenas o indivíduo, mas as instituições definidoras da sociedade. O Conselho de Segurança acabou por aprovar em 17 Julho de 2000 a Resolução 1308 que estabelece a SIDA como um problema de segurança, reconhecendo que esta pandemia é exacerbada por condições de violência e de instabilidade e que, se não for acautelada, pode colocar em risco a estabilidade e a segurança internacional. No ano seguinte, a Assembleia-Geral reuniu-se, entre 25 e 27 de Junho, em sessão especial para debater a questão da SIDA. Mais recentemente, o Secretário – Geral das Nações Unidas Kofi Annan encomenda a um eminente painel de peritos internacionais um estudo sobre o futuro da organização. Com efeito, o relatório A More Secure World: Our Shared Responsability,de 2004, admite uma concepção bastante ampla de ameaça encarada como “qualquer acontecimento ou processo que leva à perda de vida ou reduções de expectativas de vidas em larga escala e que ponha em causa a unidade do sistema internacional, ameaçando a segurança internacional (4). Também o Banco Mundial, pela voz do seu Presidente James Wolfensohn, se afasta das análises mais tradicionais ao defender que esta pandemia é o maior desafio para a paz e estabilidade das sociedades alguma vez conhecido. Com a SIDA enfrentamos uma grave crise de desenvolvimento, mas sobretudo uma séria crise de segurança (5). Por outro lado, o trabalho do International Crisis Group aprofundou, num relatório de 2001, as múltiplas dimensões geopolíticas deste problema:
Nestas cinco grandes áreas procuraremos salientar os factores que consideramos de maior impacte geopolítico. |
Notas |
(1) NOGUEIRA, Freire, (2005) - Pensar a Segurança e Defesa, Lisboa: IDN/ Edições Cosmos, pp. 73 – 75.
(2) Neste dia, o Conselho de Segurança debateu a SIDA em África, tendo sido a primeira vez que este órgão discutiu um assunto relacionado com a saúde como ameaça à paz e segurança. O encontro demorou mais de 7 horas e teve cerca de 40 intervenções. Não foi aprovada qualquer resolução. (3) PRINS, Gym, ob. cit., p. 941. (4) NAÇÕES UNIDAS (2004 e) – Report of the Secretary-General High Level Panel on Threats, Challenges and Change. A More Secure World: Our Shared Responsibility, p.15. (5) SINGER, P. W., ob. cit., p.145. (6) INTERNATIONAL CRISIS GROUP, ob. cit., p. 2. |
Francisco Proença Garcia. Major de Infantaria, Professor do Instituto de Estudos Superiores Militares. Maria Francisca Saraiva. Assistente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Mestre em Relações Internacionais. |