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MAJOR MIGUEL GARCIA |
A GEOPOLÍTICA DA SIDA |
INDEX |
Introdução |
3.3. A SIDA e o Estado |
A SIDA afecta não só as FA mas o Estado como um todo, corroendo, à medida que alastra, as bases da sociedade, o indivíduo, a família e a própria comunidade. De acordo com o Director da UNAIDS, Peter Piot, a doença está a devastar os postos de trabalho ocupados pelos membros mais produtivos da sociedade com uma eficácia que, na história da humanidade, apenas tínhamos conhecido em resultado de grandes conflitos armados (1). A sua progressão faz-se sentir nas áreas governamental, económica e de desenvolvimento social, com a agravante que estes elementos mais produtivos, das classes média e alta, dificilmente são substituídos. O fenómeno também incrementa as necessidades orçamentais e as taxas de apoio social, desencorajando o investimento estrangeiro. A força de trabalho fica assim reduzida o que provoca a queda em flecha dos ganhos sobretudo nos países mais debilitados ou em desenvolvimento. Para o Banco Mundial esta doença é a maior ameaça para a economia africana, onde se espera que a redução do PIB atinja os 20% apenas numa década (2). Mas esta ameaça transnacional também atinge os Estados consolidados, não apenas pelos reflexos directos, mas indirectamente devido à globalização das economias. Por outro lado, diz Singer, a hipótese de um colapso económico e político agravado pela presença da SIDA poder lançar o mundo numa nova vaga de refugiados não é de afastar (3). Dispomos hoje de dados que nos permitem considerar que a pandemia é responsável pela perpetuação de ciclos de pobreza e de miséria. Afecta gerações, diminui a produção, provoca fluxos de refugiados, desastre económico, guerras civis que, por sua vez, agravam o quadro geral de miséria. Esta situação tem um reflexo enorme nas famílias afectadas com o vírus: menor rendimento nas actividades laborais, diminuição do rendimento familiar, crescimento dos gastos com medicamentos, má nutrição. As estimativas disponíveis apontam para uma quebra entre os 40 e os 60% nos rendimentos (4). À medida que a doença progride, os doentes ficam menos eficientes, menos capazes de realizar trabalhos manuais e muitas vezes o absentismo dispara e o capital humano nacional diminui. Só no continente africano, em 2020 a força de trabalho deverá ser de 10 a 22% menor do que no início do século. Segundo o Banco Mundial, a África do Sul verá o seu PNB decrescer 17 % até 2010, e prevê que no Botswana este valor atinja os 30% (5). Há sectores chave que já são afectados, como a agricultura, a mineração e os transportes. De acordo com a Food and Agriculture Organization, na Zâmbia, cuja principal fonte de rendimento (75%) provém do minério de cobre, 18% dos mineiros estão infectados. Na indústria dos transportes são os camionistas os mais afectados. Contraem a doença com facilidade e ajudam na disseminação (6). O abandono escolar também é significativo. Os jovens procuram trabalho para compensar a falta de rendimentos em casa. Por vezes, a rejeição é apenas social e passa pelo receio de colegas e professores de que a criança também esteja infectada. Mas a ameaça mais grave provem da possibilidade de Estados falhados se constituírem em santuários, onde grupos radicais se podem treinar com as consequências que são conhecidas de todos, ou aproveitar para desenvolver actividades criminosas de projecção transnacional. Muito provavelmente a combinação destes dois fenómenos pode comprometer ainda mais a já de si frágil existência destes países como realidade política. No fundo, o impacte é global e destabilizador social, securitária e economicamente. |
Notas |
(1) INTERNACIONAL CRISIS GROUP, ob. cit., p.1.
(2) CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY (1999) - The Global Infectious Disease Threat and Its Implications for the United States. (3) Idem. (4) INTERNATIONAL CRISIS GROUP, ob. cit., pp. 9-13. (5) WORLD BANK (2001), press release, Julho. (6) FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (2001) – HIV/AIDS devastating rural labour force in many African countrys, says FAO. May 10. Press Release. |
Francisco Proença Garcia. Major de Infantaria, Professor do Instituto de Estudos Superiores Militares. Maria Francisca Saraiva. Assistente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Mestre em Relações Internacionais. |