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MAJOR MIGUEL GARCIA |
A GEOPOLÍTICA DA SIDA |
INDEX |
Introdução |
3.2. A SIDA e as operações militares |
Dos países africanos com maior incidência de SIDA mais de metade está envolvida em conflitos armados. As estatísticas também são claras no que diz respeito aos militares contaminados com o HIV. São aproximadamente 5 vezes superiores aos civis e em períodos de guerra este valor cresce para 50 vezes mais. A situação é de tal maneira grave que muitas vezes as FA são mesmo o principal grupo de contaminados. Trata-se, sem dúvida, de uma situação que leva a que, nalguns casos, seja esta a principal causa de baixas. Além do mais, como a SIDA não escolhe postos, há consequências importantes nas cadeias de comando, na capacidade das Forças e mesmo na sua coesão (1). Os motivos para estes comportamentos são diversos: desde razões que se prendem com a idade biológica, ao distanciamento das companheiras (os) sexuais e finalmente uma cultura do risco instalada em muitas Forças Armadas pelo mundo fora. Temos que notar que os comandos em países onde a taxa de infecção é significativa já estão preocupados com a capacidade de projecção de força. Esta constelação de problemas agrava-se com a circunstância da SIDA, como notou Singer, por via do enfraquecimento da instituição militar, propiciar mecanismos de desestabilização interna e de debilidade que aumentam a probabilidade de vir a correr um ataque externo (2). Se tivermos em conta que em alguns países, como a Namíbia, os dados estatísticos de militares infectados é uma informação classificada, teremos de admitir que o fenómeno tomou proporções alarmantes. Pode-se presumir que a SIDA é um problema de segurança internacional por colocar evidentes desafios à segurança internacional, isto é, é uma fonte de perturbação do equilíbrio internacional. Em segundo lugar, verifica-se que a multiplicação de contingentes de militares infectados com HIV positivo inviabiliza a participação de muitos países em operações de paz. Pode ainda dizer-se que, devido às características e comportamentos dos seus elementos, a própria força tende a ser uma fonte de infecção no local da missão bem como, no regresso, um foco infeccioso junto das comunidades de origem, pois há sempre o risco/probabilidade de contrair a doença durante as missões (3). O binómio jovem soldado / trabalhadora do sexo é milenar. Assiste-se, estamos certos, a uma crise nos mecanismos de resolução de conflitos provocada pela diminuição da capacidade internacional de acudir, com o potencial humano adequado, a crises e conflitos. Deve observar-se, por outro lado, que a SIDA é crescentemente utilizada como uma poderosa arma de guerra. Os raptos e os genocídios combinam-se desde sempre em muitos conflitos. Mas o facto relevante é a sua associação, recente, ao contágio do vírus da SIDA: é possível que a transmissão de SIDA possa corresponder a uma prática de genocídio, na medida em que parece estar presente o elemento de intencionalidade na passagem do vírus para a população. Terá sido isto que se passou no Ruanda e presentemente no Congo, onde mais de 500 mil mulheres foram desta forma infectadas com SIDA (4). Como já referimos, esta é uma doença que afecta os mais jovens, com implicações nas curvas etárias. Investigações recentes mostram que a probabilidade de eclosão de violência entre os jovens do sexo masculino é cerca de 40% superior quando comparamos os valores obtidos nas faixas etárias mais avançadas (5). A explicação pode encontrar-se na predisposição para a agressividade dos mais jovens, tornando-os alvos fáceis de recrutamento por “senhores da guerra” que costumam incluir no seu quotidiano ritos iniciáticos de extrema violência (6). Como se isto não bastasse estas crianças e jovens, por norma mal nutridos e com pouca escolaridade, são no fundo um meio barato de manter milícias e guerras do terceiro tipo. Os conflitos armados provocam ainda um mar de refugiados que habitam em campos onde, normalmente, a miséria é grande e os cuidados profiláticos decrescem. Temos assim de concluir que a situação descrita nos conduz ao paradoxo associado ao fenómeno da SIDA: propaga-se durante a guerra, mas igualmente com o fim desta (7). Trata-se de um círculo infeccioso fechado, de difícil interrupção ao longo da poderosa cadeia de transmissão. |
Notas |
(1) No Malawi prevê-se que ¼ do efectivo tenha perecido dentro de 3 anos. In, SINGER, P. W., ob. cit., p. 148. (2) SINGER, P. W., ob. cit., p. 149. (3) INTERNATIONAL CRISIS GROUP, ob. cit., pp. 22-23. (4) Idem, p. 153. (5) Idem, p. 151. (6) A este propósito devemos recordar a título de exemplo o recrutamento feito pela RENAMO em Moçambique durante a guerra civil.. (7) PRINS, Gym, ob. cit., p. 942. |
Francisco Proença Garcia. Major de Infantaria, Professor do Instituto de Estudos Superiores Militares. Maria Francisca Saraiva. Assistente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Mestre em Relações Internacionais. |