MAJOR MIGUEL GARCIA

A GEOPOLÍTICA DA SIDA
Francisco Proença Garcia
Maria Francisca Saraiva

INDEX

Introdução
1. A evolução do fenómeno no mundo
2. A SIDA e o selénio
3. SIDA e Segurança
3.1. Os reflexos na população
3.2. A SIDA e as operações militares
3.3. A SIDA e o Estado
4. A resposta ao fenómeno
Conclusão
A Sida em números
Referências bibliográficas

3.2. A SIDA e as operações militares

Dos países africanos com maior incidência de SIDA mais de metade está envolvida em conflitos armados. As estatísticas também são claras no que diz respeito aos militares contaminados com o HIV. São aproximadamente 5 vezes superiores aos civis e em períodos de guerra este valor cresce para 50 vezes mais.

A situação é de tal maneira grave que muitas vezes as FA são mesmo o principal grupo de contaminados. Trata-se, sem dúvida, de uma situação que leva a que, nalguns casos, seja esta a principal causa de baixas. Além do mais, como a SIDA não escolhe postos, há consequências importantes nas cadeias de comando, na capacidade das Forças e mesmo na sua coesão (1).

Os motivos para estes comportamentos são diversos: desde razões que se prendem com a idade biológica, ao distanciamento das companheiras (os) sexuais e finalmente uma cultura do risco instalada em muitas Forças Armadas pelo mundo fora.

Temos que notar que os comandos em países onde a taxa de infecção é significativa já estão preocupados com a capacidade de projecção de força. Esta constelação de problemas agrava-se com a circunstância da SIDA, como notou Singer, por via do enfraquecimento da instituição militar, propiciar mecanismos de desestabilização interna e de debilidade que aumentam a probabilidade de vir a correr um ataque externo (2). Se tivermos em conta que em alguns países, como a Namíbia, os dados estatísticos de militares infectados é uma informação classificada, teremos de admitir que o fenómeno tomou proporções alarmantes.

Pode-se presumir que a SIDA é um problema de segurança internacional por colocar evidentes desafios à segurança internacional, isto é, é uma fonte de perturbação do equilíbrio internacional. Em segundo lugar, verifica-se que a multiplicação de contingentes de militares infectados com HIV positivo inviabiliza a participação de muitos países em operações de paz. Pode ainda dizer-se que, devido às características e comportamentos dos seus elementos, a própria força tende a ser uma fonte de infecção no local da missão bem como, no regresso, um foco infeccioso junto das comunidades de origem, pois há sempre o risco/probabilidade de contrair a doença durante as missões (3). O binómio jovem soldado / trabalhadora do sexo é milenar. Assiste-se, estamos certos, a uma crise nos mecanismos de resolução de conflitos provocada pela diminuição da capacidade internacional de acudir, com o potencial humano adequado, a crises e conflitos.

Deve observar-se, por outro lado, que a SIDA é crescentemente utilizada como uma poderosa arma de guerra. Os raptos e os genocídios combinam-se desde sempre em muitos conflitos. Mas o facto relevante é a sua associação, recente, ao contágio do vírus da SIDA: é possível que a transmissão de SIDA possa corresponder a uma prática de genocídio, na medida em que parece estar presente o elemento de intencionalidade na passagem do vírus para a população. Terá sido isto que se passou no Ruanda e presentemente no Congo, onde mais de 500 mil mulheres foram desta forma infectadas com SIDA (4).

Como já referimos, esta é uma doença que afecta os mais jovens, com implicações nas curvas etárias. Investigações recentes mostram que a probabilidade de eclosão de violência entre os jovens do sexo masculino é cerca de 40% superior quando comparamos os valores obtidos nas faixas etárias mais avançadas (5). A explicação pode encontrar-se na predisposição para a agressividade dos mais jovens, tornando-os alvos fáceis de recrutamento por “senhores da guerra” que costumam incluir no seu quotidiano ritos iniciáticos de extrema violência (6).

Como se isto não bastasse estas crianças e jovens, por norma mal nutridos e com pouca escolaridade, são no fundo um meio barato de manter milícias e guerras do terceiro tipo. Os conflitos armados provocam ainda um mar de refugiados que habitam em campos onde, normalmente, a miséria é grande e os cuidados profiláticos decrescem.

Temos assim de concluir que a situação descrita nos conduz ao paradoxo associado ao fenómeno da SIDA: propaga-se durante a guerra, mas igualmente com o fim desta (7). Trata-se de um círculo infeccioso fechado, de difícil interrupção ao longo da poderosa cadeia de transmissão.

Notas

(1) No Malawi prevê-se que ¼ do efectivo tenha perecido dentro de 3 anos. In, SINGER, P. W., ob. cit., p. 148.

(2) SINGER, P. W., ob. cit., p. 149.

(3) INTERNATIONAL CRISIS GROUP, ob. cit., pp. 22-23.

(4) Idem, p. 153.

(5) Idem, p. 151.

(6) A este propósito devemos recordar a título de exemplo o recrutamento feito pela RENAMO em Moçambique durante a guerra civil..

(7) PRINS, Gym, ob. cit., p. 942.

 

Francisco Proença Garcia. Major de Infantaria, Professor do Instituto de Estudos Superiores Militares.

Maria Francisca Saraiva. Assistente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Mestre em Relações Internacionais.