11. Os novos paradigmas: Copérnico, Machiavelli, Paracelso…
e a grande Magia de Agrippa
Quando se estuda a história «oculta» (e não só) da transição da Idade Média para o Renascimento não podemos deixar de nos surpreender com o abismo de possibilidades que então se abria aos pés e à frente da civilização ocidental. Novos paradigmas irrompem, alguns francamente antagónicos ao que desde sempre se pensava ser «a verdade» sancionada pelo senso comum e pela Igreja, e que por isso mesmo, ao olfacto apurado da mesma Igreja, exalavam um insuportável e inconfundível «cheiro a enxofre». Copérnico (1473-1543) desafiou a bem estabelecida cosmologia aristotélico-ptolomaica da Terra como centro do Universo; as suas ideias, obviamente heréticas e diabólicas, publicadas tardiamente não o afectaram, mas iam valendo a fogueira a Galileu; Marsilio Ficino (1433-1499), humanista, filósofo e médico, ensinou na Academia Platónica de Florença (fundada em 1450 por um escol de humanistas), traduziu o Asclépio e o Pimandro do Corpus hermeticum, que rapidamente alcançaram uma grande voga, e escreveu uma obra de Medicina, Libri de vita (1489), em que combinava a Magia Natural com a Astrologia; Johannes Reuchlin (1455-1522), notável hebraísta, foi autor de dois livros fundamentais, De verbo mirifico (1494) e De arte cabbalistica (1517), e divulgou amplamente a Cabala judaica no universo cristão; Pico della Mirandola (1463-1494), mestre da Academia Platónica de Florença, na sequência de Reuchlin combinou a Cabala judaica com a Escolástica cristã de raiz aristotélica e a filosofia árabe, e praticava Magia branca; no campo político-social, Machiavelli (1469-1527) transformou a duplicidade, a astúcia, a intriga e a perfídia numa fórmula eficaz para se obter êxito em matéria política… Já é quase um lugar-comum dizer-se que os alquimistas, os necromantes, os herbolários e os astrólogos assentavam então os cimentos da Química, da Biologia, da Física, da Astronomia, ao mesmo tempo que se tornavam tremendamente suspeitos aos olhos tanto de protestantes como de católicos.
Os próprios artistas não fogem a esta vaga de ocultismo, basta ver com atenção as obras de Hieronymus Bosch, Leonardo da Vinci, Albrecht Dürer, Rafael… repletas de símbolos esotéricos inseríveis no tradicionismo hermético neo-alexandrino. Não surpreende, por conseguinte, que tanto os clérigos como as gentes do povo vissem demónios e espíritos malignos, bruxos e bruxas, em todos os recantos sombrios e de preferência nas noites de Lua nova ou de Lua cheia, ao mesmo tempo que os intelectuais, os artistas e os humanistas buscavam recuperar o antigo brilhantismo dos Gregos e dos Romanos.
O texto fundamental desta época, que codifica e instrumentaliza as técnicas refinadas de «caça às bruxas» é o Malleus Maleficarum (1486), da autoria de dois dominicanos, Johann Sprenger, decano da Universidade de Colónia (Alemanha) e Heinrich Kraemer, professor de Teologia na Universidade de Salzburgo (Áustria): dois anos antes, em 1484, o Papa Inocêncio VIII havia promulgado a bula Summis desiderantes, em que deplorava a propagação da feitiçaria na Alemanha e autorizava Sprenger e Kraemer a extirpá-la.
Este livro espantoso que deu origem a inumeráveis torturas e fogueiras teve 28 edições durante os séculos XVI e XVII; segundo a historiadora Anne Llewellyn Barstow teriam sido executadas, nesse período, cerca de 80.000 pessoas dentre um total de 125.000 acusados (cf o seu livro Witchcraze: A New History of the European Witch Hunts, 1995).
Curiosamente, foi com base na Cabala judaica, e apesar do olho suspicaz da Inquisição, que surgiu uma das mais interessantes justificações da divindade de Jesus: no seu livro De verbo mirifico (1494) Johannes Reuchlin conseguiu demonstrar, por métodos cabalísticos, que Jesus é o Messias anunciado na Escritura hebraica, pois o seu nome hebraico (Yeshuah), obtém-se a partir do tetragrama sagrado do nome de Jahvé: YHVH, com a inserção, ao meio do tetragrama, da misteriosa letra shin, a terceira letra-mãe do alfabeto hebraico (as outras duas são aleph e mem). Teríamos assim YHShVH, ou, com a vocalização apropriada, Yeshuah, que deu o nome Jesus em latim e nas línguas modernas.
Por sua vez Agrippa von Nettesheim (1486-1535), filósofo e mágico alemão, exerceu um influência considerável no seu tempo: foi partidário do neoplatonismo e da Cabala judaico-cristã; ensinou a Magia como meio adequado para dominar a natureza, e a sua grande obra De occulta philosophia elevou o estudo e as técnicas da Magia ao nível de scientia, e, por muito estranho que pareça, contribuiu com a sua philosophia occulta para avigorar o movimento da Reforma protestante, desencadeada sobretudo por Lutero.
Outro revolucionário desta época foi Paracelso (1493-1541), pseudónimo do médico Theophrastus Bombastus von Hohenheim, que se opôs a Aristóteles, Galeno e Avicena e defendeu que o princípio decisivo de toda a cura é o «meio interno», ou «força curativa natural», ao mesmo tempo que promulgava a virtude curativa da Natureza mediante uma vida dedicada à própria Natureza; perseguido no seu tempo, criou os fundamentos da moderna terapêutica à base de medicamentos minerais.
Enfim, outras personalidades e outros movimentos se notabilizaram nesta revolução, Giordano Bruno, que defendeu a ideia de que o universo é uma entidade viva e inteligente, Jakob Boehme, John Dee, Henricus Khunrath, bem como o posterior Iluminismo Rosacruz… que impregnaram a sociedade dos séculos XV, XVI e XVII de um esoterismo brilhante e heterodoxo que marcou toda uma época e ainda perdura nos neo-ocultismos dos nossos dias.