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ANTÓNIO
DE MACEDO

FREI GIL FAUSTIANO
OU FAUSTO EGIDIANO?
ÍNDICE
4. Um filme por fazer ou o Frei Gil alemão…

Voltei às bibliotecas e arquivos, reli os capítulos da Vida de S. Domingos de Frei Luís de Sousa mais uns escritos em latim do dominicano Frei Baltazar de S. João e do humanista André de Resende, além do romance de João Grave e do poema de António Correia d’Oliveira, entre várias outras coisas, já para não falar na recolha de iconografia da época ou os assustadores episódios das cruzadas proto-inquisitoriais contra os heterodoxos da neognose cátara.

Escrevi um guião cinematográfico que me pareceu reproduzir razoavelmente o imaginário egidiano transponível para cinema de ficção e pus-lhe por título O Pastor e o Magarefe. Enfim, para encurtar razões, assente-se para a posteridade que nunca consegui concretizar este superlativo projecto fílmico, graças ao insidioso sistema reinante em Portugal para se produzirem filmes: como não há mecenas privados que se arrisquem a investir, porque o dinheiro é muito caro e os filmes de fundo portugueses não rendem nada, é o Estado que subsidia os filmes em concursos anuais abertos para o efeito pelo Instituto de Cinema (ICAM), nos termos da lei (1). Os projectos apresentados pelos cineastas são examinados (?) por um júri de cinco intelectuais (?) nomeados pelo ministro da Cultura, geralmente influenciado pelos lobbies do costume que decidem quem é bom e quem não presta nas nossas artes. Como a legislação está viciada e os júris também (já apresentei queixa ao Provedor de Justiça, com abundantes provas, mas não me valeu de nada), há quase 12 anos que os meus projectos cinematográficos de longa-metragem têm sido sistematicamente rejeitados — incluso O Pastor e o Magarefe, que concorreu vários anos seguidos e foi sempre parar ao fundo do cesto. Ainda houve um ou outro membro do júri que a posteriori teve a bondade de me explicar porquê: era um filme ultrapassado e sem interesse porque essas «coisas esotéricas» não interessam a ninguém.

Por fim perdi a paciência e decidi transformar o guião em livro: já que a paciência se perdera, ao menos que se não perdesse em acúmulo o substante da investigação e da prosa, e foi assim que surgiu nas livrarias, em 2004, o meu romance egidiano As Furtivas Pegadas da Serpente. Neste, um dos aspectos que realço é que o nosso Frei Gil é do século XIII e portanto antecede em cerca de 300 anos o Doutor Fausto, que é do século XVI. Por conseguinte, terá algum sentido dizer, como disseram Garrett e Teófilo Braga, entre outros, que Frei Gil é o «nosso Doutor Fausto»? Em vez de se propalar que Frei Gil é o «Fausto português», não será antes mais atinado dizer-se que o Fausto é que é o «Frei Gil alemão»? Pelo menos, o nosso tem a legitimidade dos direitos antecessórios…

Ora bem, e já que estamos falando de «literatura egidiana», e na sequência destas legítimas e metafísicas dúvidas, vale a pena bisbilhotar um pouco mais e tentar descobrir a origem desse modelo literário, o da personagem que faz um pacto com o Diabo em bom pergaminho assinado a sangue, com correlativo usufruto das excitantes e pecaminosas vantagens durante uns tempos (meses ou anos), e subsequente arrependimento e conversão.

 
(1) Bom, na verdade não é propriamente o Estado que subsidia o cinema português, porque as verbas aplicadas nos filmes subsidiados não saem do Orçamento Geral do Estado (não é o nosso IRS nem o IRC das empresas que paga o cinema português, uff, que alívio!): a título de curiosidade, registe-se que tais verbas são provenientes duma taxa de 4% que os operadores televisivos (RTP, SIC, TVI) e as salas de cinema são obrigados a entregar ao ICAM sobre o total das suas receitas da publicidade (Art. 28.º da Lei n.º 42/2004, de 18 de Agosto). Ou seja, quem paga o cinema português são os telemóveis, os refrigerantes, as marcas de automóveis, os electrodomésticos, os bancos, os cosméticos, os produtos informáticos, os detergentes… etc. etc. que anunciam na TV e nos cinemas.
 

Para uma bibliografia egidiana