Eu estava era de manhã quase junto ao casebre baixara-me
para desapertar a corda de esparto do pescoço da cabra
Não o vi chegar mas ele viera a pé
O assobio delicado entredentes quase um sopro
Retraído para que não me assustasse
Fiquei a olhá-lo era grande a minha tristeza no entanto
não sentia nem melancolia nem receio
Apenas soltei um suspiro uma espécie de riso
um pouco talvez de divertido pasmo
Ao longe o sol de Março Ao longe o brilho de uma árvore
Piscou-me o olho O seu rosto estava na meia sombra
A cabra quedara-se como estátua agora roçava-se-lhe na perna
Segui-o Ele entrara na casa
Os meus passos como se ressoassem em chão de tábua.
Pousou a mão sobre a mesa um sobressalto de póerguera-se a um canto.
Não lhe olhei nem as mãos nem a testa requeimada
que um vinco de sangue sulcava
Sabes? perguntou com a voz enrouquecida
e todavia clara Um certo ar de perplexidade
Alguma daquela gente não era de facto gente de bem
Enchi um copo com o vinho que me sobrara da véspera
Sabes? disse-me então e limpava a boca com um dedo
Alguns deles não sabiam de facto o que diziam Teriam sabido o que faziam?
Poderei doravante carregar este destino? pensei eu
E contudo a resposta já eu a conhecia.
E ali ficou sentado. As mãos abandonadas no regaço. E a amargura
entrou em mim.
Ao sair
olhei a cabrinha que se chegara trémula junto da porta
Olhei-a como se do seu pelo um clarão negro se soltasse
Olhei-a e senti o mundo parado para sempre.
E assim o vi eu depois que regressara de entre os mortos.
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