Meu tetravô de Pontevedra que agora sei que existiu
teria conhecido um dia os pinheirais de São Mamede?
Dessa terra de meigas trouxe decerto recordações
quando foi para Alburquerque para casar por amor
com uma Ana de Cáceres, como o Livro me diz
- o que os meus filhos me deram por lembrança da mãe
como presente de Natal – genealogias fecundas
do coração do tempo. Teria alguma vez andado por estas ruas
ou mesmo pelos meandros do Reguengo?
Ele, que era hortelão, como meus antepassados
mais antigos, que sonhos acalentou
pelos dias, pelas noites duma terra diferente?
Já nestas terras alentejanas, chamar-lhe-iam talvez
o espanhol, mas sem maldade, antes de lhe nascerem netos
como ele se calhar com sotaque galego
e memórias de lugares onde seus pais se criaram.
Meu tetravô que buscava nos campos portugueseses
- o amor da aventura, a procura do pão
ou apenas horizontes gratos ao seu coração
de rapaz novo e forte com sede de conhecer
outros rumos e gentes, desconhecidas raízes?
Bailaria nas festas? Olharia os caminhos
tão velhoe e tão novos da planície e da serra?
Guardaria num baú utensílios da infância
que sempre nos acalentam, sempre nos enternecem?
Meu tetravô de Pontevedra, meu quintavô já velho
de anos depois lançados na lembrança dos meses
que jamais nos devolvem o passado que tivemos
agora vive em mim, agora sei que existiu
como depois dele houve os Gonçalves, os Garções
e muitos mais do futuro que depois de mim virão.
Meu sextavô espanhol, lá da terra das meigas
saúda-me decerto, saúda-me dos longes
com indistinta voz em surdina, galega
mesmo já do além ou de dentro dum livro
- ao hortelão-poeta que agora aqui o lembra
que agora aqui o escreve
emocionadamente. |