Em Caminhos Cruzados, Veríssimo traça 120 instantâneos de cinco dias - de
sábado à quarta-feira - da vida de vários personagens: desde uma jovem
pragmática e seu namorado sonhador até a prostituta meiga e a senhora que
imagina ver suas obras assistenciais nas páginas dos jornais. Uma cidade
inteira aparece nas páginas de um livro em que as vidas se interpenetram e
as histórias se completam.
O livro pouco tem da doutrina revolucionária que caracterizaria o realismo
socialista, que levaria ao sucesso Jorge Amado, por exemplo, mas, mesmo
assim, depois de sua publicação, o autor foi acusado de "comunista", o que
denuncia sua insuspeita intenção política. No prefácio que escreveu em 1964,
o autor o considerou Caminhos Cruzados "um livro de protesto que marca a
inconformidade do romancista ante as desigualdades, injustiças e absurdos da
sociedade burguesa", a uma época em que a grande noite do terror descia
sobre a Nação brasileira mais uma vez com a volta dos militares ao poder.
Nesse romance, Veríssimo, ao mesmo tempo, ergue um extenso painel das várias
camadas que compunham a sociedade brasileira à época da ditadura de Getúlio
Vargas (1930-1945), que subiu ao poder no bojo da chamada Revolução de 30,
que de revolução pouco teve porque o que se viu não foi uma ruptura do
sistema político, mas apenas a substituição de uma burguesia reacionária,
porém mais cosmopolita, a paulista que havia enriquecido com a exportação de
café e arruinando-se com o crack da Bolsa de Nova York de 1929, por outra
mais atrasada ainda, que, valendo-se da anarquia que dominava as fileiras do
Exército, chegou ao poder e acabou por estender para o cenário nacional
ações típicas do banditismo de fronteira.
É bem provável que, a esse tempo, o jovem Érico Veríssimo estivesse
influenciado pela propaganda da elite sul-riograndense que via no movimento
a hora do revanchismo gaúcho, que nunca tivera a oportunidade de chegar ao
posto máximo do poder, embora o senador Pinheiro Machado (1851-1915) tivesse
ocupado, a partir de 1910, grandes espaços na Primeira República (1889-1930)
até a sua morte violenta. Essa propaganda foi tão intensa que nem mesmo
comunistas e socialistas do Sul conseguiram passar imunes aos seus efeitos,
assumindo-se sempre primeiro como gaúchos e, depois, como revolucionários.