Nascido em Cruz Alta, no interior do Rio Grande do Sul, Érico Veríssimo era
originário de uma família tradicional que conhecera a ruína. Apesar disso, o
jovem interiorano não se tornou operário, mas modesto funcionário de uma
agência bancária, quando estava ao redor dos 20 anos de idade. Em seguida,
virou sócio de uma farmácia ainda em Cruz Alta, mas por pouco tempo porque a
falência o levaria a fechar as portas do estabelecimento em 1930.
Foi, então, que, sem maiores alternativas, resolveu tentar a vida em Porto
Alegre, a palpitante capital de um Estado que começava a se firmar como a
terceira força econômica do País. Se o homem é ele e suas circunstâncias,
como diria o filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955), pode-se dizer
que Érico Veríssimo tornou-se escritor bafejado por suas circunstâncias.
Aos 25 anos, conseguiu emprego de redator - função que incluía também a
revisão e a tradução - na Livraria do Globo, em Porto Alegre, passando logo
em seguida a secretário e redator da uma publicação da casa, a Revista do
Globo, que já havia publicado o seu primeiro conto, "Ladrão de gado", em
1928, a uma época em que ele ainda estava em Cruz Alta. Talvez esse conto
lhe tenha, de certo modo, aberto as portas para o novo emprego.
Empreendimento periférico na República das Letras, que, a
rigor, limitava-se ao Rio de Janeiro, então Capital da Republica, e a São
Paulo, onde Monteiro Lobato (1882-1948) tivera uma experiência fracassada
como editor nos anos 20, a Livraria do Globo era uma empresa de pequena
envergadura, com meia dúzia de funcionários, mas, ainda assim, na medida
para quem tinha por intenção aventurar-se no caminho literário. Logo, a
convite do editor Henrique Bertaso, Veríssimo viraria secretário do
departamento editorial da Livraria do Globo.
É de perguntar: se, em vez de conseguir emprego numa editora de maneira
fortuita, tivesse se encaminhado para o funcionalismo público ou para o
jornalismo, como a maioria dos intelectuais de seu tempo, Veríssimo teria
tido a mesma carreira? Com certeza, não. Afinal, foi a perspectiva de que
publicaria tudo o que escrevesse que o estimulou tão cedo a escrever contos
e romances.
A dificuldade para publicar até hoje encerra muitas carreiras promissoras.
A existência, nestes tempos de tecnologias avançadas nas artes gráficas, de
editoras especializadas em publicar livros por preços ao alcance do bolso de
autores iniciantes é a melhor prova de que ainda hoje os obstáculos para a
publicação do primeiro livro são muitos. Como essas editoras, geralmente,
não fazem parte do restrito circuito de distribuição de livros, o escritor
acaba mesmo sendo obrigado a distribuir seus exemplares entre amigos ou
entre recenseadores em busca de algumas linhas em qualquer publicação
impressa ou na Internet.
Ao trabalhar na própria editora que publicava seus livros, Veríssimo desde
cedo escapou dos problemas naturais em início de carreira de qualquer
aspirante a escritor. Sem contar que, como o braço-direito de Bertaso que
haveria de se tornar ao longo de anos de trabalho, estava numa posição que,
dificilmente, outro escritor alcança: com a possibilidade de controlar
rigorosamente a vendagem dos exemplares de seus livros. Como se sabe,
tradicionalmente, os escritores sempre desconfiam de que seus livros vendem
bem mais do que as contas das editoras costumam apontar.
Não se quer aqui dizer que a sorte bateu à porta do futuro escritor Érico
Veríssimo, mas as circunstâncias, sem dúvida, acabaram por favorecê-lo, pois
Bertaso era um empresário talentoso que aspirava para a então modesta
livraria fundada por seu pai os foros de grande editora, partindo para a
publicação de autores estrangeiros que nem mesmo as tradicionais casas do
Rio de Janeiro tinham em seus catálogos. O número de alfabetizados na
população brasileira, se já não apresentava os números vergonhosos da época
de Machado de Assis, não se pode dizer que houvesse crescido o suficiente
para garantir o retorno de investimentos no mercado livreiro. Era sempre uma
aposta de risco.
Fosse como fosse, Veríssimo encontrou espaço para o seu trabalho de
tradutor, embora não se saiba que a esse tempo tivesse intimidade suficiente
com o idioma inglês para tarefa tão importante. Afinal, chegara a Porto
Alegre com os estudos secundários incompletos. E não se conhece, em sua
biografia, que haja freqüentado algum curso de inglês. O mais provável é que se tenha aventurado no idioma de Shakespeare com a
cara e a coragem de quem precisava ajuntar alguns trocados por mês para
garantir a sobrevivência da família, pois viera de Cruz Alta com compromisso
assumido com Mafalda Halfen Volpen, com quem casaria em 1931.
A década de 1930 foi decisiva na carreira do escritor Érico Veríssimo.
Trabalhava mais de dez horas por dia na editora e aproveitava os finais de
semana para escrever os seus primeiros romances. Em meio a esses textos,
ainda publicou entre 1935 e 1940 dez livros de literatura infantil e
infanto-juvenil, um filão recém-descoberto pelo mercado editorial de então.
Todos esses livros denotam falhas e descuidos motivados pela pressa, ou
seja, pela ânsia de aproveitar uma oportunidade que parecia ter caído do céu
para que publicasse tudo o que escrevesse. Não se pode esquecer que
confessadamente escreveu Caminhos Cruzados em três ou quatro meses,
aproveitando como de costume só os fins de semana.
Não vai longe demais também quem relacionar o fervor dos primeiros anos da
década de 1930 com a ânsia com que o jovem escritor lançou-se em busca de
temas épicos na história de seu Estado, procedimento que haveria se acentuar
no segundo ciclo de sua obra, quando procurou narrar os acontecimentos que
resultaram do povoamento dessa área extrema do Brasil e a formação de uma
sociedade patriarcal baseada no mandonismo e na violência desenfreada.