Érico Veríssimo (1905-1975), de quem se comemora em 2005 o centenário do
nascimento, foi um dos raros autores brasileiros que se tornaram escritores
profissionais a uma época em que a possibilidade de comunicação com o
público era muito reduzida em razão do grande número de analfabetos na
população que justificava as tiragens limitadas e o exíguo número de
livrarias que existiam no País.
Essas condições pouco propícias para o crescimento de uma literatura já
haviam sido assinaladas por Machado de Assis (1839-1908) que, desde o início
de sua produção em 1858, preocupou-se em discutir a sua posição de escritor
diante de um pequeno leitorado e da indigência do ambiente cultural
brasileiro. Não se pode dizer que essas condições tenham se alterado
profundamente nos séculos XX e XXI: afinal, uma recente pesquisa mostrou que
75% dos brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, não são capazes de
ler, entender totalmente o que está escrito e escrever corretamente.
Como observa Massaud Moisés (1928), Veríssimo formou o seu gosto literário
na leitura da moderna literatura inglesa, especialmente em Aldous Huxley
(1894-1963) e Somerset Maugham (1874-1965), autores que traduziu ao tempo
em que trabalhava para a Livraria do Globo, de Porto Alegre. Essas
influências são excessivas e muito visíveis em sua produção, apesar do seu
esforço em minimizá-las em prefácio que escreveu em 1964 para o romance
Caminhos Cruzados (1936), no qual até mesmo pelo título percebe-se o
fascínio que lhe exerceu Ponto e Contraponto (Point Counter Point), 1928, de
Huxley. Isso, porém, não o impediu de seguir caminho próprio, sem
trocadilho, inconfundível dentro do panorama literário brasileiro.
Esse caminho foi aberto pela vinculação que fez de sua obra ao seu Estado
natal, o Rio Grande do Sul, aproveitando-se de sua história para compor
romances de cunho regionalista em que se sobressaem personagens que ficaram
marcados na história da Literatura Brasileira. Ao contrário do romance de
raízes populares da primeira fase de Jorge Amado (1912-2001) e da prosa
vinculada à terra nordestina de Graciliano Ramos (1892-1953) e José Lins do
Rego (1901-1957), a produção de Veríssimo destaca-se por sua linguagem
impressionista, de frases curtas, em que reconstitui a saga da pequena
burguesia gaúcha.
Os romancistas gaúchos de seu tempo e aqueles que surgiriam mais tarde,
ainda que tenham tido uma produção de qualidade, como Viana Moog
(1906-1988), Josué Guimarães (1921-1986), Moacyr Scliar (1937) e mesmo Ivan
Pedro de Martins (1914), que nasceu em Minas Gerais, mas está ligado aos
temas sulinos, nunca haveriam de se igualar a Veríssimo em mestria.
Isso, porém, não significa que a produção de Veríssimo tenha alcançado um
extremo grau de transcendência que a tornaria imune a qualquer debilidade.
Pelo contrário. Como assinalaram vários críticos, muitos defeitos mancham a
prosa do romancista: "repetições abusivas, incerteza na concepção de
protagonistas, uso convencional da linguagem...", como aponta Alfredo Bosi
(1936) .
"Embora ficção linear, horizontal, O Tempo e o Vento (trilogia que abarca O
Continente, 1949; O Retrato, 1951; e O Arquipélago, três volumes, 1962)
constitui um vigoroso flagrante da realidade brasileira realizado com senso
de enquadramento dos caracteres de personagens com as situações dramáticas
que os revelam, focalizadas, via de regra, sob um ângulo retrospectivo",
acrescenta Moisés .
De fato, o que se percebe, em todos os romances de Veríssimo, é a falta de
aprofundamento psicológico dos seus personagens, que agem como se fossem
marionetes, títeres nas mãos de seu condutor. Surgem aos olhos do leitor
"com a força e, ao mesmo tempo, a fraqueza da caricatura", conforme o
próprio autor reconheceu naquele prefácio de 1964.
Fora esse defeito mais flagrante, não se pode negar que a produção de
Veríssimo seja uma das mais fecundas e extensas da literatura brasileira do
século XX. Além de livros que se enquadram no subgênero chamado Literatura
de Viagens, que se entrecruza com a História e a Antropologia, os contos de
Fantoches, 1932, seu livro de estréia, e de As mãos de meu filho, 1942, e O
Ataque, 1959, outros dez livros de literatura infantil e infanto-juvenil e
uma biografia, a obra de Veríssimo está dividida em três grandes ciclos
novelescos.
O primeiro vai de Clarissa, Música ao Longe, 1935; Caminhos Cruzados; Um
Lugar ao Sol, 1936; Olhai os Lírios do Campo, 1938; até Saga, 1940, enquanto
o segundo, que abrange os cinco volumes de O Tempo e o Vento, já é de uma
fase posterior em sua trajetória, da maturidade. O terceiro ciclo inclui os
romances da última fase de sua vida, já de escritor consagrado e acima de
contestações, como O Senhor Embaixador (1965), O Prisioneiro (1967) e
Incidente de Antares (1971), em que assume uma postura política bem definida
e contrária aos totalitarismos que infelicitavam várias nações no mundo,
inclusive a brasileira, que vivia o drama da ditadura militar (1964-1985).
A par disso, o autor ainda escreveu obras que não podem ser enquadradas
nesses ciclos novelescos, como O resto é silêncio, 1943, e Noite, 1954, e
ainda as memórias que foram reunidas em Solo de Clarineta, dois volumes,
1973, 1976. Neste trabalho, porém, o que queremos discutir são três romances
do primeiro ciclo, escritos quando o autor ainda estava entre os 30 e os 35
anos de idade.