As máquinas de uniformizar:
o prestígio da doxa (7)
José Augusto Mourão

(UNL-DCC)

 

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Coda - Notas

CICLO "A VERDADE EM PROCESSO" - 2004

Amarras

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Na semiótica de Peirce qualquer “representamen” se pode tornar um interpretante e qualquer interpretante se pode tornar um “representamen”. Este processo pode ir em princípio até ao infinito. Mas trata-se em definitivo de lhe fazer corresponder um determinado objecto. Para tal, é necessário que o processo pare a um dado momento: é a condição de fechamento. Para Peirce um signo só desempenha a sua função na medida em que se inscreve num sistema de signos de carácter dinâmico. Esta dinâmica da “semiosis”, por seu lado, é assintoticamente finalizada por um momento pragmático no qual se estabiliza a significação. O processo da interpretação tende para um interpretante final que deixa de ser um signo, é um “habitus”, que é de carácter pragmático e já não semiótico. O “habitus” é um modelo de comportamento, uma disposição para responder de uma certa maneira a uma dada situação.

O corpo amarra-se aos meios como o espírito às opiniões, que são meios de pensamento. A vista tem também os seus meios, ópticos ou clichés , em que a questão já não é ver mas reconhecer e reencontrar-se naquilo que surpreende (34). O saber pode ser puramente tautológico, pode excluir qualquer hipótese de começo. Os maus hábitos de ler nascem em boa parte da compulsão para a apropriação digestiva, ideológica ou escolar (imóvel) da matéria textual. Ora, o hábito (de habere , ter) designava uma ética, um princípio de crescimento. O hábito era algo que tínhamos feito nascer em nós pelo esforço, pela pesquisa e que, pouco a pouco nos qualificava e nos capacitava para fazer isto ou aquilo. Com o tempo, o hábito, a que se chamava também virtude da competência, princípio da acção perfeita, tornou-se domesticação, cumplicidade e resignação.

A educação para os valores de base através da comunicação, cruzada com o conceito de memória exprime sobretudo os modos de reproduzir hábitos e predisposições culturais face à temporalidade e ao tratamento quotidiano do passado. Não haverá conflito entre a memória de arquivo e a memória futurante?. Não há na ideia de comunicação algo da clonagem biológica? E onde está a singularidade do conhecimento? A capacidade de distanciação? A crítica? Não há ideia ou pensamento ou acção que não sejam interpretados por algum hábito - que são os interpretantes finais das nossas emoções, intenções, associações, os nossos “guias para a acção” como os definia Peirce. A nossa tendência para a uniformidade; a tendência que está em tudo para fortalecer hábitos em leis absolutas que regulem a acção de todas as coisas em todos os aspectos no futuro indefinido (Peirce 1940/1955: 358-359) condiciona em muito o que fazemos e o que lemos. Um símbolo “incorpora um hábito (...) e conhecimento é hábito” (Peirce 1931: IV, 414). Com o passar do tempo, por causa de frequentes repetições, qualquer leitura icónica (baseada em sensações subjectivas) tende a ser indicial (passível de identificação e verificação através de sinais ou indicações factuais, concretos) para se tornar generalizável, habitual, genérica, replicável, aceite e compartilhada simbolicamente por um grupo ou comunidade. A inteligência humana é encarnada e grupal, não é apenas razão nem intuição, que é a virtude maior do anjo, mas discursiva, textual, mediata.

Para os racionalistas que se seguem a Descartes, um efeito nunca poderia revelar-nos mais do que a sua causa, e esta última não podia ser menor do que ele. Foram os teóricos da informação que encontraram aqui uma carência conceptual sobre a questão da génese das formas, sobre a "generatividade da informação". Von Foerster ao escrever sobre os sistemas observantes em que encontramos um tipo de lógica associada a sistemas semânticos fechados aptos a tratar das noções - second order cybernetics - tinha proposto a ideia de uma geração de "ordem através do ruído". H. Atlan retomou esta ideia: uma linha telefónica, primeiro objecto de estudo de Shannon, só pode degradar a mensagem que lhe confiamos, através do ruído que nela reina. Prigogine propõe-se explicar a aparição da ordem complexa e de novidade na biosfera pela acção daquilo a que chama "estruturas dissipativas". Uma questão: as estruturas dissipativas estão ligadas de maneira sensível à velocidade de passagem de fluxos de matéria e de energia que entram no sistema, enquanto os sistemas simbólicos portadores de informação genética são independentes de uma tal velocidade de substituição. Ao contrário das estruturas dissipativas, os sistemas simbólicos são caracterizados pela sua excepcional estabilidade. Gatlin aprofunda a ligação entre informação e sistemas da vida: "informação armazenada" (ADN) (p. 27). Manter a distinção entre informação e significação (p. 47). O zoólogo Richard Dawkins, que insiste no facto que o organismo é um transmissor de informação (35), propôs uma simulação em computador em que os caracteres que compõem um verso de Shakespeare acabam por se juntar uma sexagésima de gerações depois de serem escritos de modo aleatório. O problema é que o "acaso" é guiado pelo computador que escolhe cada sequência em função da distância que falta preencher para chegar à composição da frase.

 

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