As máquinas de uniformizar:
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CICLO "A VERDADE EM PROCESSO" - 2004 |
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O sentido comum |
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Aristóteles entende o “sentido comum” ( aisthêsis koinê , 425 a27) nestes termos: “Nós temos com efeito um sentido comum dos sentidos comuns e isto de maneira não acidental”. O sentido comum não é um sexto sentido próprio: um sentido comum, a grandeza por exemplo, é comum no facto de não ser nunca sentida só mas sempre acompanhada dum sentido próprio, uma cor por exemplo (24). Aristóteles define-o no De somno como “o princípio que serve para tudo perceber” (455 b 10). “É desta koinê dunamis , deste poder geral e unitário da percepção que dependem as funções ditas do sentido comum que são a percepção que se percebe e a discriminação de sensíveis de géneros diferentes” ( Ibid.). A ligação com o “sentido comum” entendido como “sentido do real” explica-se pelo acordar. Aristóteles insiste em que o sentido comum vem especialmente ligado ao tocar ( De somno , 455 a 22-26), o sentido fundamental que se encontra em todos os animais mas que “atinge no homem um alto muito elevado de acuidade (akribestatên)”, e pelo qual “os ultrapassa de longe a todos em acuidade. Também é o mais inteligente dos animais” ( De anima, II, 9, 421 a 18-23). O senso comum revela-nos a natureza do mundo na medida em que é um mundo comum. A ele devemos que os nossos cinco sentidos estritamente privados e “subjectivos”, com os seus dados sensoriais possam ajustar-se a um mundo não-subjectivo e “objectivo” que temos em comum e partilhamos com outros. P. Bourdieu fala de sentido comum como um fundo de evidências partilhadas por todos que assegura, nos limites dum universo social, um consenso primordial sobre o sentido do mundo, um conjunto de lugares comuns tacitamente aceites que tornam possível a confrontação, o diálogo, a concorrência, o conflito mesmo e entre os quais é necessário dar um lugar à parte aos princípios de classificação, tais como as grandes oposições que estruturam a percepção do mundo (1997:118). São estes esquemas de classificação que permitem que todos se refiram à mesmas oposições (alto/baixo, raro/comum,rico/pobre). Em grande parte nacional porque a maior parte destes princípios são inculcados pelas instituições escolares que têm por missão construir a nação como população dotada das mesmas “categorias”, logo do mesmo sentido comum. O sentido comum favorece a formação de universos fechados sobre a sua idiosincrasia e o seu idiolecto. O senso comum e o conhecimento científico assinalam uma ruptura e uma descontinuidade (25). O senso comum é transparente e evidente. O senso comum é superficial porque desdenha das estruturas que estão para além da consciência, mas para isso mesmo é exímio em captar a profundidade horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. O senso comum é indisciplinar e imetódico (...) aceita o que existe tal como existe (26). Cada campo como “forma de vida” é o lugar de um “jogo de linguagem” que permite o acesso a aspectos diferentes da realidade. As estruturas do pensamento do filósofo, do sábio ou do artista, os limites do que se lhes impõe como pensável estão sempre dependentes em boa medida das estruturas do seu campo. “Cada campo é a institucionalização dum ponto de vista nas coisas e nos habitus” (Ibidem: 121). T. Kuhn fala em La Structure des révolutions scientifiques de disciplinary matrix para indicar a constelação de crenças, valores, técnicas partilhada por uma comunidade. Por conseguinte cada universo de saber tem a sua doxa, um conjunto de pressupostos cognitivos e avaliativos de cuja aceitação depende a sua pertença . É essa adesão tácita ao nomos, essa forma de crença especifica de crença, a ilusão que exigem os campos escolásticos. |
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