Os demais serviços consomem percentagens inferiores.
É fácil de ver a viciosa distribuïção da despesa. Mas o pior é que quási tudo é gasto em pessoal, e mesmo a percentagem registada nas obras públicas não corresponde a uma atribuïção de receitas próprias da Junta a êsse serviço, pois que está incluída na despesa a importância do subsídio de 362 contos concedido pelo Estado para reparar os estragos causados por uma tromba de água. Não se fizeram em 1937 nenhumas construções ou obras nova s e as reparações foram todas custeadas por êsse subsídio do Estado.
A Junta Geral já cobra o adicional de 15 por cento sôbre as contribuïções gerais.
Qual o remédio para esta situação? Há dois caminhos:
1. o O de tirar serviços improdutivos à Junta, especialmente a polícia, deixando-lhe assim margem para indispensáveis obras;
2. o O de assegurar uma comparticipação constante do Estado na resolução dos problemas distritais.
Devo observar, porém, que esta segunda solução, à primeira vista mais sedutora, oferece os inconvenientes seguintes:
a) Para comparticipar tem a Junta Geral de dispor, por sua parte, de algum dinheiro, e hoje não dispõe ;
b) O processo d a comparticipação, tal como está organizado, nã o satisfaz: é lenta a resolução dos pedidos e a concessão chega fora da oportunidade da abertura dos trabalhos, pois nestas ilhas, há um período cíclico de desemprêgo quando cessa a ocupação nos campos, e que é preciso aproveitar para as obras públicas.
Portanto: para que a comparticipação seja eficaz faz-se mester que seja rápida e oportunamente concedida e que se dê à Junta maneira de a poder pedir sem ser à força de empréstimos.
Agricultura e pecuária – Estes serviços deixaram-me má impressão: os técnicos não se interessam suficientemente, pois o agrónomo administra propriedades particulares e preside à comissão reguladora dos trigos do arquipélago e o veterinário deixou-se embaraçar na vida de província.
Todavia há muitos problemas que requeriam acção devotada e intensa: aproveitamento dos baldios, povoamento florestal, melhoramento das culturas, introdução de métodos racionais de cultivo, assistência vitivinícola, lacticínios, melhoramentos das raças leiteiras.
Fora da ilha Terceira pouco se faz. Em S. Jorge começou-se o construção de um pôsto agro-pecuário, mas o edifício lá está vazio e desaproveitado. Os técnicos raramente vão às outras ilhas.
Além da falta de dinheiro há, neste pobre distrito, falta de gente ...
Obras públicas – Não há presentemente director nem outro engenheiro. Quem, a título de consultor , orienta os serviços é o director técnico da Junta Autónoma dos portos, que, como único engenheiro do d is trito, elabora projectos, os informa e dirige a sua execução.
Os quadros estão esqueléticos, mas, à falta de dinheiro, o serviço está inactivo. Os chefes de conservação são meros práticos (o de S. Jorge foi oficial de cavalaria até 1919, o da Graciosa é farmacêutico e entrou por ser adido) e na Direcção também não há ninguém capaz.
Entretanto, o distrito tem imenso para fazer. Só a Graciosa, onde quási não há desnivéis n em viação automóvel, tem estradas sofríveis; as de S. Jorge e da Terceira carecem de grande reparação, havendo a notar que nesta última ilha existem já várias carreiras de camionetas para passageiros, com o conseqüente desgaste dos pavimentos. Segundo me informaram, os técnicos avaliam em 4:000 contos o custo dessa grande reparação.
Está orçada para 1938 a despesa neste serviço em 674.926$29, mas desta quantia só 277 contos para obras (conservação e reparação), e conta-se no orçamento da receita com 212 contos de comparticipações do Estado.
Saúde pública – Tudo quanto disse a respeito da separação dos serviços de sanidade terrestre e marítima no distrito de Ponta Delgada cabe aqui dizê-lo com mais forte razão: um serviço especial marítimo para dois paquetes por mês, que chegam de portos vizinhos, de onde saíram na véspera, é mais que excessivo.
Já o decreto n. o 17:677, de 30 de Outubro de 1929, remodelou os serviços de sanidade marítima de Angra, passando a estação de saúde a 2. a classe; mas é preciso ir mais longe e adoptar a solução de um serviço de saúde único, com um só inspector, tanto mais que também aqui está vago o lugar de guarda-mor e o inspector de sanidade terrestre acumula presentemente, sem esfôrço, as funções dos dois cargos.
O estado sanitário do, distrito não é tam bom como em Ponta Delgada; a peste bubónica não desapareceu de todo, há ainda alguns casos, embora poucos, todos os anos. Tem de intensificar-se o combate ao rato e à miséria.
Existe um hospital da Misericórdia em Angra, outro em Santa Cruz da Graciosa e outro nas Velas, de S. Jorge. Só visitei êste último, instalado num velho e desconfortável convento. Recebeu um legado avultado aqui há anos com o qual o médico instalou um a boa sala de cirurgia e um serviço de radiologia.
Assistência – Como em Ponta Delgada, existe a Casa de Saúde de S. Rafael, a cargo dos irmãos de S. João de Deus, para loucos do sexo masculino, cujo internamento é pago pela Junta Geral. As loucas estão internadas num velho pardieiro, quási emparedadas.
A Irmandade de Nossa Senhora do Livramento sustenta duas casas de assistência infantil: o Asilo da Infância Desvalida, para raparigas, e o Orfanato Beato João Baptista Machado, para rapazes. A ambos falta muita cousa; mas são limpos, informados por bo m espírito e a sua própria pobreza é fiadora de que os educandos não serão deslocados do seu meio natural. Agradou-me a visita que lhes fiz. A Junta Geral dá-lhes subsídio irregularmente, conforme as suas posses, por orçamento suplementar. Vivem com muitas dificuldades e merecem auxílio.
Há em Angra uma instituição curiosa e única no País (e não sei se no mundo): a Caixa Económica de Angra do Heroísmo. Esta Caixa tem uns tantos accionistas responsáveis pelo capital, mas que de direito e de facto nada possuem no activo; os lucros de exercício são integralmente destinados às obras de beneficência do distrito. Existe desafogadamente há noventa e três anos e no ano de 1937 distribuía 97.000$, mas quando afluía mais dinheiro da América chegou a distribuir o dôbro e o triplo.
Polícia – Considero este problema um dos que mais urgentemente requerem a atenção do Governo. Em Angra do Heroísmo está (a dominar a própria cidade, no antigo castelo filipino) um depósito de deportados políticos, confiado apenas à guarda do batalhão de infantaria com sede aí. Esse batalhão está em quadros [ sic ] , e os soldados que o constituem são de inferior qualidade.
Ora na cidade os deportados que por lá andaram à sôlta em grande quantidade aqui há anos fizeram perigosa sementeira de ideas, e é quási certo que existem entendimentos entre elementos locais e os presos do forte. No dia do juramento de bandeira da Legião apareceram içadas bandeiras vermelhas e foram distribuídos manifestos comunistas.
E o que é a polícia de Angra? São trinta homens recrutados antes de 1926, na maioria incapazes de serviço activo, pesados, indiferentes, sem armas. Nenhuma confiança se pode ter neste corpo.
Torna-se indispensável reformá-lo, aumentá-lo, instruí-lo e armá-lo. À custa da Junta Geral? Ela despende hoje 220.000$ com polícia e já vimos que não pode gastar mais. Mas o problema de segurança geral não há-de deixar-se dependente da auto-suficiência do distrito.
O Estado tem de chamar a si as polícias dos distritos insulares. A Junta geral de Ponta Delgada poderia ficar a receber, a título de compensação, uma importância anual equivalente ao que hoje a polícia lhe custa. Nos outros distritos a verba disponível ficaria para o fomento, que hoje não lhes é possível.
Instrução – Há em Angra um liceu nacional instalado no antigo seminário, que, sem obedecer a todas as exigências modernas, satisfaz todavia perfeitamente para a pequena frequência que tem. Apenas precisa de um gimnásio e de um campo de jogos.
Para instalar a Escola Comercial e Industrial Madeira Pinto adquiriu o Estado recentemente um antigo palacete por concluir. Dado o preço, foi boa compra. Ao presente o ensino da Escola deixa a desejar, muito que se adapte há-de ser sempre uma escola deficiente. Ao presente o ensino da escola deixa a desejar, muito livresco e de mau teor. No novo palacete preparam-se algumas salas para instalar oficinas, mas creio que uma escola de artes e ofícios deve ter outro ambiente. O problema do ensino técnico profissional não está resolvido nas ilhas.
Pelo que respeita ao ensino primário, a situação pode considerar-se satisfatória: o distrito é dos que apresentam menor percentagem de analfabetos no País.
Conclusões – Do que fica exposto podem tirar-se as seguintes conclusões:
1. o Faltam administradores e técnicos no distrito de Angra;
2. o As receitas não chegam para dotar os serviços postos a cargo da Junta Geral e são absorvidas sobretudo pelos quadros dependentes do Estado;
3. o É necessário que o Estado chame a si a polícia;
4. o Com o que fica à Junta, desde que a polícia passe para o Estado, pode encarar-se a hipótese de uma comparticipação regular nas obras públicas urgentes e sua conservação. |