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Versões do Feminismo na Amazônia brasileira: Orminda e Eneida nos contextos nacional e internacional MARIA LUZIA MIRANDA ÁLVARES |
Sumário |
Introdução |
3.1. Feminismo sufragista, na versão da imprensa paraense |
O movimento sufragista que se organizou e estruturou, nacionalmente, a partir de 1922, priorizando, entre as bandeiras do seu ideário, a conquista do direito do voto à mulher, manteve, no interior da sociedade paraense, "corações e mentes" atentos às conquistas ou recuos sofridos pelo movimento, ao longo da década de 1920, sem contudo, sensibilizar as mulheres para a criação de um núcleo organizado para o debate mais objetivo das questões sufragistas. Este movimento é percebido através de atitudes isoladas de paraenses alinhados ao ideário emergente, na Câmara de Deputados e na imprensa paraense. O projeto do Senador paraense Justo Chermont, de dezembro de 1919, que estendia às mulheres que tivessem alcançado 25 anos, o direito do voto, teve ampla repercussão nacional por ter sido aprovado, em sua primeira leitura na Comissão de Constituição e Justiça (que só se pronunciou em dezembro de 1927). Essa vitória do feminismo não repercutiu no noticiário dos jornais paraenses. O silêncio da imprensa marcava a crise partidária do período, entre esse Senador e outros grupos políticos locais (Cf. ÁLVARES, 1990). Há registro, contudo, da representação das mulheres paraenses: I Conferência pelo Progresso Feminino em dezembro de 1922, com delegada escolhida pelo então governador do Pará, Emiliano de Souza Castro. Cassilda Martins, viúva do ex-governador Enéas Martins foi a indicada. Sua militância fora de Belém como redatora em Niterói, do jornal feminino “Nosso Tempo” e como presidente da Aliança Fluminense pelo sufrágio Feminino, garantiu-lhe essa incumbência. Os registros dos jornais evidenciam os avanços do movimento sufragista no Pará. Após a organização da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino por Bertha Lutz, a imprensa paraense passa a manter no seu noticiário, informes sobre os debates nacionais realizados em torno da questão. Na década de 1920, são prolíficas as notícias de primeira página com títulos chamativos – "Femininos em Marcha", "As Conquistas do Feminismo", "O Feminismo Triunfante", "O Voto Feminino" – onde eram exploradas, desde a informação sobre as estratégias da FBPF para conseguir a vitória do voto, no Senado, até enfoques depreciativos sobre a "mulher política", ou também, "mulher pública", estereótipo que ficou sendo a marca das mulheres que pleiteavam a concessão do direito ao voto. Qualquer mulher que assumisse, publicamente, uma atitude fora do padrão convencional do comportamento feminino, entrava na galeria das "feministas". Nota-se, nesse período, um crescente volume de "anti-notícias" femininas que procuram depreciar a imagem da mulher. Cito exemplos: o jornal “Folha do Norte”, de 29 de abril de 1929, na primeira página, publica a notícia "Contra o Despotismo da Mulher”, um comunicado internacional, informando sobre a próxima criação, em Viena, de uma "Liga Mundial dos Direitos dos Homens", durante o congresso internacional do sexo masculino, reunindo "maridos tiranizados, pais inocentes e outras vítimas da feminilidade". O evento seria realizado em 15 de junho desse ano, na cidade de Viena, e pretendia arregimentar todas as "vítimas" internacionais. Estava sendo articulado o nome de Charles Chaplin para a presidência da Liga. A notícia finaliza dizendo: "O que ainda é mais curioso notar, que as sociedades feministas da Suécia, Áustria e Alemanha enviarão 'observadoras' que assistirão aos trabalhos esfingeticamente." Outro exemplo é a construção de um perfil de mulher através das Ciências do tipo: "a mulher é um polígono irregular de inúmeras faces (Geometria)". É neste clima (ou anti-clima?), que a opinião de Orminda Ribeiro Bastos, favorável ao direito do voto, com restrições, é a voz no deserto, representando, o "movimento sufragista paraense". Quer dizer, na década de 1920, não há um movimento feminista organizado, mas há um processo feminista em marcha, estruturado através de um rico debate jornalístico. A linha anti-sufragista dos comentários dos informes e dos textos, só está presente na imprensa porque existem as feministas defendendo suas conquistas. As práticas, neste período, são expressões da própria trajetória informal e individualizada do processo. Salvo as militantes espíritas que iniciaram a discussão sobre a igualdade entre homens e mulheres (ALVARES, 1990), bem poucas mulheres reconhecem publicamente o valor de sua condição feminina, mesmo "amarradas" a um discurso recorrente do "instinto materno". Mas, até mesmo sobre este tema, há distinções entre as duas versões - a masculina e a feminina - interpretadas em dimensões diferenciadas. |